quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Três noites musicais

Retirei do meu diário:
Foi uma “maratona de três noites musicais…”, iniciada na quinta-feira dia 16 de Fevereiro com um concerto na Igreja de S. Francisco – sempre um belo cenário – com a Orquestra da Universidade do Minho e o coro de Alunos da Licenciatura em Música da Universidade do Minho – licenciatura que eu nem sabia existir em Braga - na comemoração do XXXVIII aniversário da Universidade. Com muita gente a assistir, o que foi para mim uma surpresa pois a noite estava mesmo muito fria, notando-se no entanto muitos alunos e professores universitários, mas também muito outro público. Foi uma actuação muito conseguida, que se iniciou com a suite sinfónica Scheherazade do compositor russo Rimsky Korsakov e que preencheu toda a primeira parte do concerto, só com a orquestra, que esteve muito bem tendo eu gostado sobretudo da interpretação da harpa e do conjunto de trompas. Na segunda parte actuou também o referido coro e, no total, estariam a actuar cerca de cento e dez músicos, entre orquestra e coro, o que só por si proporciona logo um ambiente forte, cheio, completo, muito do meu agrado. Nesta segunda parte foram interpretadas quatro obras, duas do checo Smetana, com uma música muito previsível, sem grandes encantamentos, e depois outras duas obras de Borodin, aliás as mais conhecidas deste compositor “Príncipe Igor” e “Danças Polovtsianas”. Sobretudo nestas duas últimas interpretações foi visível a satisfação da assistência, talvez porque eram melodias conhecidas.
Na noite seguinte fui até à Igreja dos Capuchos (antigo hospital) onde se realizou mais um concerto de órgão ibérico, integrado num festival de doze concertos mensais que se iniciou em Janeiro e que, portanto, se prolongará até Dezembro deste ano, tudo integrado no programa de Guimarães Capital Europeia da Cultura 2012. Eu estava com certa curiosidade neste concerto pois já não me lembrava de ter assistido a um concerto de órgão (talvez na Igreja da Lapa, anos de 1964, 1965?) e nem sabia ao certo a valia do órgão instalado naquela igreja. Sendo o órgão um instrumento musical de grandes dimensões, constituído por tubagens, foles e condutas de alimentação de ar e sistemas de transmissão (teclados), o seu som não me era totalmente desconhecido mas, francamente, só me lembrava do som harmoniosamente compacto do pequeno “órgão” que cheguei a tocar na Igreja de Santa Luzia e que, afinal, não seria bem um órgão mas apenas um simples harmónio movimentado a pedais… e em tamanho muito pequeno. Pode ter um ou mais teclados (o da Igreja dos Capuchos tem dois) sendo que cada teclado corresponde a uma secção individual, isto é, um órgão separado, colocado num sítio específico da caixa, reunindo um conjunto particular de registos, pelo que nos sons produzidos se notam características diferentes. Tudo isto eu soube depois de uma consulta na internet… confirmando-se a impressão que sentira no local de “ouvir” tonalidades e timbres diferentes quando o organista mudava de teclado, o que foi possível em virtude da projecção simultânea que fizeram e achei uma óptima ideia, pois o público estava cá em baixo e o organista… lá em cima!
Este concerto demorou pouco mais de uma hora e foi seu intérprete um jovem de 30 anos de seu nome Daniel Ribeiro, que teve uma muito boa actuação e foi muito aplaudido. Evidentemente que não posso nem devo fazer uma apreciação técnica (ou artística…) do evento, pois não tenho capacidade para isso. Só posso dizer que me agradou, foi um espectáculo diferente, com umas tonalidades muito próprias quase parecendo os sons da flauta de pan (Rão Kyao). Todas as peças tocadas me eram desconhecidas e dos seus autores apenas conhecia o nome de um: Carlos Seixas. Mas todas as músicas me fizeram sentir um recuo a tempos muito antigos, sons e escalas de gregoriano, barroco, fugas… Valeu pela diferença.
Esta tríade musical terminou em grande e em beleza, com o concerto no grande auditório do Centro Cultural Vila Flor há muito anunciado e há muito esperado: Pedro Burmester. Sala cheia, com os bilhetes esgotados já há semanas… não só em virtude do prestígio e valia do concertista, mas também pelo conceito que a Fundação Orquestra Estúdio já granjeou no meio e ainda pela grande curiosidade de ouvir, em estreia mundial, um trabalho encomendado ao compositor português Fernando Lapa.
Essa abertura sinfónica mostrou-se um trabalho complexo, pleno de cadências e ritmos, harmonias e dissonâncias, muito técnico e de difícil execução. Mais difícil ainda gostar-se desde logo, desde o início, mas com o desenrolar da sua execução apercebemo-nos da difícil complexidade da sua criação e até execução, pelo que não pode deixar-se de admirar e aplaudir.
E o que dizer de Pedro Burmester? Eu gosto de música clássica, tenho uma predilecção especial por música de piano, e encanto-me com música sinfónica, harmoniosa ou complexa, suave ou em crescendo, quando bem interpretada! Pois tudo isto se reuniu neste concerto.
O concerto para piano e orquestra n.º 4 em sol maior, opus 58 de Beethoven foi a escolha para este espectáculo e estiveram bem todos os naipes da orquestra, com os seus 65 componentes, com uma direcção soberba do maestro italiano Francesco La Vecchia. Mas o que mais sobressaiu neste concerto, para além da forma como pianista e orquestra dialogaram, foi a interpretação soberba, diria sublime como Burmester “sentimentalizou” a execução, deixando-me várias vezes “suspenso” de uma esperada nota ou acorde que eu “sentia” iria surgir, mas com uma delicadeza e graciosidade que tocava no mais íntimo do meu ser, com a música abraçando-me como se só a mim se destinasse, nada mais havia, só aqueles sons, umas vezes suaves e cadenciados, outras vezes entrosados no conjunto da orquestra, numa combinação perfeita e harmoniosa.
Eu não sei se sou eu que sou lamechas ou se esta predilecção pela música de piano é exagerada, mas sinto que, ao fim de mais de setenta anos e audição de muitos e muitos concertos, com ou sem piano, devo classificar esta interpretação como a que mais fundo me tocou globalmente, em pleno. Recordo-me dum concerto do Rubinstein no Teatro Rivoli no Porto, em 1965, a que assisti apenas parcialmente e “meio escondido”, mas talvez ainda não tivesse ainda tanta sensibilidade (?) para sentir a música como agora; ou dum outro recital de Jorge Moyano no pequeno auditório também do CCVF, com o pianista ali bem perto de mim e eu a saborear as notas, uma a uma; mas nunca como agora senti tanta vibração e encanto com o que ouvi naquela quase uma hora. Pedro Burmester com esta sua interpretação guindou-se ao primeiro lugar da minha lista de recordações.
A noite terminou com a FOE a interpretar a 9.ª Sinfonia de Antonin Dvorak, conhecida como “Do Novo Mundo”, com laivos de musica tradicional checa e com algumas “frases” orquestrais muito conhecidas e imponentes, onde sobressaiam os trompetes e outros metais, não podendo também deixar de referir a beleza dos solos de fagote, verdadeiramente assombrosos.
Em resumo, foi uma noite memorável de música que ficará na minha memória como talvez a mais “cheia” de sempre.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Acordo Ortográfico


No jornal “Público” de hoje vem a notícia de que Vasco Graça Moura há poucos dias empossado como presidente do Centro Cultural de Belém, fez distribuir uma circular interna dando instruções aos serviços para não aplicarem o novo Acordo Ortográfico e para que todos os conversores – ferramenta informática que adapta os textos ao AO – sejam desinstalados em todos os computadores da instituição. Mais: vem referido que a decisão foi tomada por unanimidade do Conselho de Administração, o que quer dizer que não foi uma decisão arbitrária. Falta saber qual a repercussão que esta decisão vai ter e perguntar se a mesma será ou não legal, uma vez que o governo em 25 de Janeiro de 2011 decidiu que esse AO deveria passar a ser adoptado por todos os serviços do Estado e entidades tuteladas pelo governo. Agora surge a notícia de que a Secretaria de Estado da Cultura adiantou que sendo o CCB uma “fundação pública de direito privado” não estará obrigada a adoptar o acordo antes da data prevista para a sua aplicação generalizada, ou seja 2014.
Poderia dizer que esta decisão não me aquece nem arrefece pois nada tenho a ver com o Centro Cultural de Belém. Mas a verdade é que senti um certo orgulhozinho por verificar mais uma opinião idêntica à minha. Continuo a pensar que esse AO é um disparate, uma coisa não necessária, uma confusão, uma arbitrariedade, até uma covardia perante os “iluminados” que a tal nos querem sujeitar.
Quisera que esta decisão de Vasco Graça Moura, corroborada por outras instituições, muitos outros escritores, figuras públicas e público em geral como disso tem sido prova a leitura de diversas notícias a esse respeito, levasse a que quem sobre o assunto decide possa repensar a situação, revogar o anteriormente decidido e optar por uma norma que não levante nem dificuldades nem oposições pertinentes. Pelos vistos, ainda teremos cerca de dois anos para emendar o erro e ter juízo…