domingo, 4 de dezembro de 2011

Alvoroço

A sala em que estou e onde vivo é grande e tem muita luz
que entra pelas janelas envidraçadas
e pelas portas, que estão abertas.
Suavemente...
Há grandes multidões à minha volta que não conheço
e há outras multidões pequenas que conheço.
Há também um amigo, a meu lado, calado, sorridente…
Há talvez até mais alguns amigos, e até inimigos.
Evidentemente…
Há outras salas, mas escuras, confusas, também com entradas
sem guardas (parece…), gratuitas, convidativas, enfeitadas,
pessoas que entram na fila, saltam na fila, atropelam e passam à frente
e mais tarde saem aos empurrões, todas contentes
com a vitória, sua glória, provocatória…
Tristemente…
Muitas corridas, desassossego que não me seduz…
E fecho os olhos, não quero ver o frenesim dessas pessoas alvoraçadas
que não olham o céu, nem as estrelas, nem quem está com elas!
Por vezes sopra o vento ou até chove lá fora
e todos comentam que está a chover…
Obviamente!
Há música no ar, melodias e cantigas p’ra cantar
e ninguém canta, nunca canta, nem agora
que o sol está a brilhar!
Não é este ambiente que me atrai, não gosto.
Mas não fui eu que vim, alguém me trouxe, eu só nasci
mas não cresci.
Quando eu sair ninguém vai notar.
Naturalmente…

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Arte moderna

        É extraordinária a diversidade de elementos que podem confundir-nos na chamada “arte moderna”, quer estejamos a falar de pintura, música, literatura ou arte em geral. Ao longo dos tempos todos os campos da arte têm sofrido transformações e são extraordinárias as diferenças, por exemplo, entre as pinturas de Botticelli, Renoir, Van Gogh, Malhoa, Almada Negreiros ou Souza Cardoso; ou entre as obras de Dante, Shakespeare, Camões, Miguel Torga ou Saramago; ou as músicas de Bach, Wagner, Villa Lobos, Manuel de Falla, Michael Jackson, José Cid ou Rui Veloso, por exemplo. Cada um no seu estilo, podem apreciar-se e gostar-se ou não, mas todas nos merecem respeito e sem esforço se verifica estarmos perante uma obra arte. Tradicional ou não, há uma expressão artística.
Há no entanto outros casos em que, apesar de me esforçar, não consigo ver arte…
Num dos capítulos do excelente livro “Cultura” que um dos meus netos me ofereceu há algum tempo, o autor Dietrich Schwanitz refere que existem três atitudes típicas perante a arte moderna: a do conhecedor da arte moderna, a da recusa da mesma e a do idiota que julga poder entender a arte moderna aplicando-lhe a postura habitual perante a arte tradicional. Pois eu acho que poderá verificar-se uma quarta atitude que é precisamente a que julgo ter: não sou conhecedor, não a repudio, nem quero apreciá-la segundo critérios tradicionais: simplesmente não consigo na maioria das vezes descortinar beleza ou sentimento no que estou a ver.
Por exemplo nestes trabalhos de Marcel Duchamp, diz-se serem exemplos da chamada arte conceptual em que o elemento artístico passa para segundo plano e o observador é que deve imaginar o quadro ou a escultura…

Pois eu queria descortinar aqui qualquer coisa de especial, talvez de belo, mas só vejo objectos banais, comuns, sem quaisquer elementos de criatividade, nem sequer visão de cores, de conjunto. O que imagino? Uma roda, uma pá e um urinol.
Tenho visto muitos quadros que, embora não apresentem nada de concreto que todos possamos desde logo identificar, ao fim de alguns momentos de reflexão conseguimos visualizar uma perfeição do conjunto, ou graciosidade do desenho, perícia do traço, beleza das cores.

 Em qualquer um destes quadros de Almada Negreiros, Joan Miró ou Amadeo Sousa Cardozo notamos beleza de conjunto, harmonia de cores, é com agrado que se faz a sua visualização. Não serão quadros para explicar mas simplesmente para apreciar. À primeira vista nada nos surge mas depois brota um elemento que nos transmite qualquer coisa de belo, de íntimo e por vezes é até apenas a nossa imaginação. Curiosamente, acontece que ao nosso lado alguém “vê” no mesmo quadro outro elemento totalmente diferente e que nós não conseguimos descortinar. Mas olhamos e sabemos estar ali “qualquer coisa”… e não sentimos nem repulsa nem indiferença. Se nos fixarmos bem em qualquer um deles conseguiremos observar elementos diversos estilizados, imaginados, quase concretos.
O que se passa com a pintura ocorre igualmente com a poesia, a literatura, a música e outras formas de arte em que sinto alguma dificuldade na apreensão da criatividade que evidentemente existirá nessas obras.

domingo, 6 de novembro de 2011

Deputados


Quando passo os olhos pelas bancadas da nossa Assembleia da República penso muitas vezes que nunca lá vejo alguém em quem eu tenha votado. Há umas personagens que ao longo dos anos passaram a ser figuras sempre presentes, umas caras mais ou menos conhecidas – umas por bons, outras por maus ou hilariantes motivos – com algumas movimentações regularmente combinadas ou programadas, substituições periódicas ou ocasionais mas, concretamente, sinto que a nenhuma daquelas pessoas manifestei o meu voto pelo que nenhuma delas me representa.
A verdade é que os portugueses votam em partidos e não em deputados. Quando eu voto no partido A ou B ou C eu não sei se estou a votar no candidato Z ou Z1 ou Z2, e apenas estou a endossar ao chefe do partido A ou B ou C a possibilidade de me substituir nessa escolha, sem saber se o candidato da minha preferência vai ter na respectiva lista uma posição que lhe permita a eleição.  
Em análise mais correcta eu diria que aqueles “senhores deputados” são a escolha final de meia dúzia de políticos profissionais que ascenderam à posição de chefes dos partidos da nossa cena política e que, eles sim, escolhem e decidem, em cenáculos internos e segundo interesses próprios, quem faz ou não faz parte da respectiva lista, ordenando-os em “classificações” muito discutíveis, em conformidade apenas com questões internas ou até pessoais, com interesses reservados ou conhecidos apenas das cúpulas e que portanto me ultrapassam completamente.
Porque razão na minha terra natal aparece um candidato que à terra nada diz? Porque motivo no meu distrito surge o nome de um candidato de outra região? Quais as razões porque os senhores membros das comissões (ditas) nacionais dos partidos e outros cargos dirigentes tem os seus nomes espalhados por diversos círculos, sempre em lugares previsivelmente elegíveis?

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Insignificância

      
A lisa folha branca à minha frente
espera impaciente que eu lhe diga
aquilo que me vai no pensamento.
Difícil de saber se é que existe
alguma coisa que eu possa sentir,
alguma coisa que eu possa pensar,
no deserto de ideias que pressinto
esvaziar-me a alma lentamente.
Sinto um vazio cá dentro de mim,
árvore sem folhas ou lago sem água,
céu sem estrelas, só escuridão
grande, tão grande, imensa sem fim
que este vazio se transforma em mágoa
que abafa tudo e vem a solidão.
Há picos de cansaço, de fadiga,
vazios que rodeiam o momento
do desejo, que não foge e persiste,
de ter coragem para assumir
a insignificância do meu meditar.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Silêncio

Estou só
em templo sagrado, com sombras, vazio,
retenho o silêncio que em mim afugenta
fantasmas medonhos e dores impensadas.
No chão grandes lajes tapando outras vidas,
redobra o silêncio, lhes sinto o frio.
São altas colunas de pedra cinzenta
polidas pelo tempo subindo aprumadas,
directas para o céu, no tecto perdidas.
Fileiras de bancos corridos, com pó!
Em paredes nuas, brancas, quase brancas
que o tempo passado só escureceu
há nichos vazios, sem santos, com nada…
vejo apenas sombras no branco acolhidas!
Mas sinto o silêncio, enorme, profundo
como se agora eu fosse o centro do mundo…
Estou só,
mas sinto uma paz, um tão grande sossego
cá dentro, bem fundo, no fundo da alma
que sinto-me bem e aqui gosto de estar.
Deixo passar o tempo, com fé, sem medo
porque o resultado final desta calma
é que quando eu quiser eu posso voltar.
A estar só!

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

SONHO


Tanto sonhei, meu Deus! Eu não devia
sonhar tão alto. Oh! Como eu lamento
ter olhado o céu, todas as estrelas,
ser tolo e tentar falar com elas,
tocá-las com ardor! Eu até queria
olhá-las e beijá-las uma a uma
para sentir nas minhas mãos a espuma
de todo o azul do céu, do firmamento.
Tanto sonhei, meu Deus, eu me excedi
em sonhos, loucos sonhos, sem pensar 
que o sonho que tão louco assim sonhei
ultrapassava em muito o que podia!

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Concerto no Palácio Vila Flor

Gosto muito de música mas não de toda a música, talvez porque sejam pouco profundos os meus conhecimentos na matéria e… muitas as minhas expectativas. Não gosto de excessos de saltos em escalas, em sonoridades ou silêncios, nem de virtuosismo apenas como resultado da técnica que nada mais nos transmite, nem conforto nem sublimidade nem beleza…
Tive oportunidade de há dias assistir a um concerto no Centro Cultural Vila Flor integrado nos Encontros Internacionais de Música de Guimarães com a denominação de “O clarinete, o piano e as cordas”, título que muita curiosidade me causou mas que veio a tornar-se para mim num espectáculo monótono e fastidioso. Me desculpem os entendidos na matéria mas, francamente, não gostei do programa, pese embora a qualidade dos autores e dos intérpretes.
No entanto, parece-me que quase todas as peças apresentadas poderão ser obras dignas de estudo para apuramento da técnica de bem tocar mas… não para uma apresentação pública de amantes da música e não especialistas!
O espectáculo iniciou-se com uma obra a solo pelo clarinetista Dominique Vidal que depois teve o acompanhamento da pianista Michiko Tsuda. Embora os intérpretes fossem muito bons, sendo evidente que o clarinete explorava virtuosamente todas as possibilidades do instrumento, o reportório não era apelativo, talvez por ser muito vanguardista (século XX), com uma rápida sucessão de registos, saltos e grande dinâmica na mudança de sons, altura e intensidade. Mas não notei melodia, harmonia, beleza. Apenas técnica e por vezes até… muita estridência.
Numa segunda parte apresentou-se um quinteto, com violinos, viola e violoncelo mas, embora reconhecendo a sua capacidade artística, até o aspecto visual do “conjunto” não ajudou pois a panorâmica era sombria e triste, parecendo quase uma récita de um estabelecimento prisional! Este quinteto optou por uma peça de Mozart mas também muito monocórdica, repetitiva nas frases e até cansativa (cerca de 30 minutos) e que, em determinada altura até causava sonolência!
Valeu, a meu ver, uma peça final interpretada a solo pelo violoncelista catalão Gaspar Cassadó e que, sem entusiasmar por aí além… foi na verdade uma notável interpretação, apesar dos setenta anos de idade do intérprete.
Em resumo, não serão espectáculos deste género que entusiasmam…

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Agosto


Venho até à janela ou espreito pela porta de vidro do terraço.
Há vento do norte, forte e frio, que move os pinheiros de um lado para o outro, papéis e mil folhas pelo ar, um silvo enervante quebrando o silêncio e espalhando o desconforto, nos corpos, nos rostos de todos que vejo passar e que contrariados se inclinam em vénias ao vento que repudiam mas não podem evitar. Parece que nada se passa, que o tempo decorre e se esvai sem história, sem ondas, apenas acontece a rotina.
E é Agosto mas não há sol, nem calor, nem alegria, a praia está vazia, o mar escuro e as ondas resmungam sombrias. O céu está cinzento, até está frio lá fora… e “cá dentro”.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Acordo ortográfico

     O portal “Sapo” na internet passou a adoptar, a partir de hoje, o novo acordo ortográfico. Lamento. Embora possam existir razões políticas, comerciais, ou até… culturais, eu continuarei a escrever no português que aprendi e que muito prezo. Não tenho tempo para novas ortografias, não vejo necessidade nisso, e pelo que sei são muitas as novas regras e muitas são as excepções, existindo até possibilidades de dupla grafia! Para quê complicar o que tão bem nos identificava? Para quê tentar normalizar aquilo que sempre teve diferenças? Qual a razão por que temos que alinhar com o que nos querem impor? Porque devemos perder a nossa própria identidade? Se a raiz sempre foi tronco comum, porque querem “podar” os ramos distintos que a árvore tem?

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Desabafo sobre a memória

Há poucos dias estive presente num convívio comemorativo dos cinquenta anos da partida para Moçambique da Companhia de Artilharia n.º 179, de que fiz parte, e tive a alegria de reencontrar antigos camaradas de armas com quem convivi durante quase três anos, em condições nem sempre agradáveis.
Mas não é sobre a vida militar e a estadia em África que quero aqui deixar um apontamento. Nem sobre a amizade, tema que sempre foi muito da minha preferência e que já por diversas vezes utilizei em alguns escritos…
Hoje quero reflectir sobre a memória.
Melhor diria, talvez sobre a minha falta de memória…
Durante as conversas que mantive com tantos amigos confirmei a facilidade com que as pessoas recordavam os tempos passados em Inhaminga (Moçambique) relembrando situações vividas, episódios, encontros, conversas, nomes, pessoas e muitas outras coisas que só com muita dificuldade recordei… quando recordei, pois em muitos casos tudo me parecia distante ou esquecido. Porquê?
Também em relação a outras fases da minha vida eu sinto alguma dificuldade em recordar em pormenor os factos que serão “a minha história” e que gostaria de recordar uma ou outra vez. Porquê?
Li algures que os registos que se vão efectuando na nossa memória são constantemente sobrecarregados com novos registos, mais recentes, que se sobrepõem aos anteriores, formando como que camadas finas umas sobre as outras, folhas do álbum da vida que se vão acumulando uma a uma, constantemente, regularmente, sem disso nos apercebermos…
Se algo aconteceu de muito especial, a nossa mente regista o facto como que com uma “apostila” que servirá de referência para uma “visita” (recordação) a qualquer momento; mas as ocorrências correntes, diria normais, da nossa vida são apenas registadas sem qualquer menção especial, pelo que se “arquivam” na memória como se estivessem nas estantes de um museu…
Parece que só com umas “visitas” frequentes e regulares ao nosso passado conseguimos que as “folhas do nosso álbum” não se percam nessas prateleiras nem se extingam na poeira do tempo. Se efectuamos “visitas” frequentes... mais estímulos a nossa memória recebe e com facilidade revive emoções e recria situações passadas. E as recordações aparecem...
Será assim? Que dirão os entendidos sobre a matéria?
Da minha estadia em Moçambique eu recordo apenas alguns factos muito concretos pessoais (terão sido arquivados com apostila?) como a Escola do Quenece, espectáculos no Cinema Império, alguns reconhecimentos no mato, os dois Natais lá passados, uma visita à Gorongosa… e pouco mais.
Da minha juventude tive que me socorrer de muitas fontes e buscas em documentação pessoal e familiar, para me ser possível reunir há poucos meses o material necessário para a concretização dum “sonho” que ofereci escrito a familiares.
Tenho efectivamente uma fraca memória…

Talvez tudo isso seja verdade, mas a verdade é que são os encontros com amigos, as conversas e os convívios, aliás é a própria idade que nos ajuda a ter mais tempo para remexer nas estantes… e folhear os nossos álbuns! É necessário estimular a mente…

domingo, 29 de maio de 2011

O meu tempo

           O tempo em que o meu tempo assim surgiu,
         o dia em que nasci, há muito tempo,
           veio do nada o tempo que foi meu:
           um só momento, meu, de mais ninguém.
           O tempo que antes de mim existiu
           foi tempo de outra gente, foi de alguém
           que em tempos outros tempos conheceu.
          
           O tempo em que cresci foi outro tempo
           que doutros foi também tempo feliz.
           Tempo de muitos tempos separados,
           divididos p’lo tempo mas ligados
           nos elos das histórias desse tempo,
           num mundo em que de tudo era aprendiz
           com tempo para tudo ter sonhado.
          
           Tanto sonhei, meu Deus, tanto aprendi,
           em tempos de trabalho, de labor
           com tempo para ter tempo p’ra tudo.
           Dia a dia, sempre um de cada vez,
           tanto lutei no tempo em que vivi
           e tanto amei com força, muito amor.
           E o tempo se fugiu… tempo se fez…

O tempo que passou se fez memória,
            não se perdeu: aconteceu. Ficou
            comigo neste tempo que me resta
            com tempo p’ra contar a sua história.

            O tempo que me deram
            Foi o tempo que vivi
            E senti.

sábado, 7 de maio de 2011

A máquina de fazer espanhóis

Reflicto hoje sobre um apontamento meu de 26 de Janeiro de 2010, em que dizia:
Por vezes não atendemos a coisas que acontecem dia a dia, ou não damos a devida atenção àquilo que se passa à nossa volta e que, mais cedo ou mais tarde, pode vir a ser precisamente a nossa situação.
Uma frase que se ouve, um pequeno trecho que se lê num jornal ou numa revista, um caso que nos é contado e se refere a pessoa conhecida ou até familiar, ouvimos, lemos e passamos adiante, sem aprofundarmos devidamente a situação ou as consequências que podem vir a ser idênticas para nós mesmos…
Em conversa entre familiares foi referida a situação de pessoa amiga com diversas dificuldades físicas e sociais, por questão da idade avançada, ocasionando até situações algo cómicas… se comicidade se pode encontrar em situações deste género, mas que na prática fazem rir o mais sisudo. Depois… alguns comportamentos irregulares e, por necessidade, até mais ríspidos por parte de alguns familiares, falta de paciência, etc..
Lembrei-me também de uma leitura que há dias estava a fazer no Público, sobre um novo livro de um novo escritor (Valter Hugo Mãe) em que existia uma frase de um protagonista duma história, homem idoso internado (ou hospedado… como agora se diz) num lar, que dizia (ou pensava) o seguinte: “despejaram-me aqui, com uma trouxa de roupa e um álbum de fotografias…”.
Como quem diz: Resolveram o problema deles… mas não o meu. Não precisarão de se incomodar comigo, tenho a minha roupa e até “um álbum de fotografias” para ocupar o tempo, com recordações. Está tudo resolvido…
Dá que pensar. A vida passa num instante e tão depressa somos novos, cheios de vida e projectos, como logo estamos cansados, curvados e perdendo forças. Todos nós envelhecemos, minuto a minuto, hora a hora, dia a dia, mas só muito tarde damos conta disso. O mundo à nossa volta gira com intensidade permanente, insensível a sentimentalismos e paixões, mas cada um tem que se prevenir com cautela e atempadamente, pois quando após uma longa caminhada chegar a hora do descanso merecido, surgirão as necessidades, também as incapacidades, e quando passarmos a ser um fardo e não uma companhia ou necessidade, pior ainda se a saúde não nos acompanhar, onde vamos desembarcar?
Durante a força da vida activa seria conveniente prever e acautelar sempre os tempos da velhice, de modo a que não sejamos nunca um peso para ninguém e possamos ter um fim de vida digno e descansado. Mas isto refere-se apenas à parte económica, sendo no entanto muito importante a componente afectiva. E é nestas situações que eu penso como é imprescindível levarmos uma vida de criação e manutenção de afectos, verdadeiros, que confortem o espírito e contrabalancem com as agruras da velhice.
Eu ouço dizer alguns que o que importa é a alegria de viver, o optimismo, a força da energia do dia-a-dia, o “positivismo” dos procedimentos, sem permitir estados de alma sombrios ou tristezas. Só se é velho no espírito… Tretas. Quando a tristeza aperta, quando o futuro parece poder acabar ali já, onde estará o conforto? Onde se encontrará um carinho?
Mas será que só nós próprios somos capazes de aparentar sempre boa disposição e alegria? Não é inevitável que o comportamento dos outros nos influencie? Podemos ignorar ou “não sentir” as indiferenças de que podemos ser vítimas?
Por exemplo: no caso do “velho” que proferiu aquela frase atrás referida, não é notória a sua tristeza por ter sido “despejado” naquele lar com uma trouxa de roupa e um álbum de fotografias? E não haverá casos em que isso é mesmo uma inevitabilidade? Não têm os filhos (ou outros familiares) direitos a que não se lhe atribulem as suas vidas com um “fardo”? Teremos o direito de os sobrecarregar? Como virá a ser comigo?
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Decorrido mais de um ano da data deste texto, dá-se a coincidência de me ter sido oferecido precisamente o livro a que faço referencia no início: “A Máquina de fazer espanhóis”. Acabei há poucos dias a sua leitura e concluo que as considerações originadas na altura por uma simples frase estão agora ainda mais reforçadas depois de ler o livro.
Uma reflexão sobre a certeza da beleza de uma vida de fidelidade e do amor, sobre a velhice e a amizade que pode ser construída a qualquer momento, mesmo entre pessoas da “feliz idade” como lhe chama o protagonista (não terceira idade…), até a “naturalidade cruel” de uma alegria até ao último segundo da vida. A ler e reflectir.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

António Barreto

           É um prazer imenso ter a possibilidade de ouvir de vez em quando as palavras de alguém que de um modo directo, simples, conhecedor, sábio até, consegue expor aquilo que nós próprios sentimos mas não sabemos explicar.
Quem teve o privilégio de ontem escutar na RTP 1 no programa “Portugal e o Futuro” a entrevista ao Dr. António Barreto deve ter ficado surpreendido – tal como a entrevistadora – em como passaram depressa aqueles minutos plenos de lucidez e clarividência. Em palavras simples, que todos nós conhecemos, sem números que a todos confundem ou frases ocas que os políticos tanto usam, o conhecido sociólogo brindou-nos com uma lição de seriedade e lucidez que os nossos governantes deviam escutar e estudar profundamente.
Nós sentimos a crise e os seus efeitos, nós estamos descontentes e olhamos o futuro com grande apreensão, mas não sabíamos ao certo como foi possível chegar a uma situação tão preocupante. Ouvimos o governo ou a oposição, a direita ou a esquerda, (não ouvimos o Presidente da República e devíamos ouvir…) e ficamos confusos com a situação sem saber ao certo o que se passa e o que se irá passar…
Cada um de nós vai encontrando aqui e ali uma razão, um e outro culpado, mas no final ficamos sempre baralhados com o que se passa à nossa volta, pois não sabemos analisar metodicamente os factos nem apontar caminhos.
O Dr. António Barreto abriu-me a mente, com palavras simples – repito – mas com muito realismo, indicando razões e culpados, métodos seguidos e que devem ser corrigidos, objectivos a ter e como obtê-los.
Se temos em Portugal uma mente tão clarividente como o Dr. António Barreto, eu quero crer que outras haverá e que será possível inverter a situação perigosa em que nos encontramos. Será apenas necessário afastar tantos governantes, políticos e outros dirigentes incapazes e mal-formados e conseguir o apoio de personalidades com os conhecimentos, formação e equilíbrio do Dr. António Barreto.
Eu quero acreditar.
                  


quinta-feira, 7 de abril de 2011

Poeta sonhador...

         Em tempos fui poeta sonhador
         Mil versos arrebatado escrevi
         que depois lia só, quase em segredo.
Dei asas à minha sede de amor
em quadras e sonetos que escondi
com receio de os perder, tinha medo.
          
As musas suavemente me inspiravam,
avancei pouco, sempre devagar
temendo o fim da inspiração e a dor,
a mágoa que essas perdas provocavam.
Cantei o azul do céu, a terra, o mar
e a paixão também com muito ardor.

Do fogo a chama e da brisa o ar,
até o sol, a lua e as estrelas,
amores, sempre o amor imortal
entusiasmado eu tentei cantar.
Cuidadas quadras que julgava belas
beleza que a meu ver não tinha igual…
        
Passou rapidamente a juventude,                              
a ilusão de tudo ser beleza,                            
o sonho da conquista que se busca
sem se medir a sua amplitude.
Mas ficou no coração a certeza
que o sonho, se é sonho, nada o ofusca.
                                                                          
Velhos arquivos busquei e abri
velhos poemas, só velhos no tempo,
que o tempo passado nada mudou
nesses poemas que agora reli
em jeito de gozo, de passatempo
lindo, que muitas saudades matou.

As musas entretanto me deixaram
(ausência triste que eu sinto agora)
pois já não sou capaz de entrelaçar
os verbos e palavras que sobraram
dos doces devaneios que outrora
minh’alma não parava de sonhar.

Talvez mais tarde, outro dia, talvez
possa voltar a pensar escrever
em certinhas rimas, belas, formais.
É como quem cai e tenta outra vez
a alma e o corpo voltar a erguer…
E talvez então me surja algo mais!

terça-feira, 1 de março de 2011

Era um miúdo ...

Era um miúdo alegre, despreocupado,
talvez um pouco calado…
Mas corria no jardim entre os canteiros
e brincava com os amigos ao pião
e ao botão, dias inteiros.
Sonhava ser um dia aviador
pois vira certa noite os aviões
roncando no céu, a fugir,
perseguidos pela luz dos holofotes
que do jardim os atingiam,
mas não caíam…
Era a fingir.
E todos de nariz no ar,
fossem novos ou velhotes,
seguiam o espectáculo maravilhados,
embasbacados!
Ah! Ah! Ah!
..........
O professor era bom, muito bom,
ensinava coisas novas e bonitas,
embora por vezes ralhasse alto e bom som,
com razão,
pois o miúdo nem sempre decorava  
aquelas coisas esquisitas
mas que diziam serem boas para o futuro.
E a pergunta saltava:
“O que é o futuro, professor?”
Mais estudos? Não aturo
Tanto número, tanta letra,
tanto verbo, tanta treta…
Eu serei aviador!
Mesmo sem asas voarei pelo céu,
vou conhecer mundos, pessoas,
a todos darei coisas boas
quando tudo seja meu…
Assim pensava o miúdo
perna ao léu, calções pequenos,            
mas num instante cresceu
fez-se graúdo…
……….
E pouco mais estudou!
Porque o destino assim quis? Talvez…
Não quis ser monge
e passo a passo criou o seu caminho discreto,
concreto,
um degrau de cada vez…
Mas se nunca às guerras brincou
porque o mandaram para longe
defender não sabe o quê?
Se já não brincava, amava,
se já era homem, trabalhava,
pegar em armas? Porquê?
O futuro de que ouvira falar
quando era novo
só falava em estudar…e trabalhar,
Nem uma palavra, um aviso
de que havia uma terra, um povo
a defender, que obrigava a matar…
Mas tudo passou e nem sequer foi preciso
lutar.
……….
Sopraram ventos de mudança,
novas terras que se pisam,
nova gente que se abraça,
com esperança.
Novos rumos se divisam
num futuro que entrelaça
num amor que se encontrou
e durou.
Novos seres que aparecem:
Uma, duas,
Um, dois, três, quatro, uma alegria…
E os corações aquecem
e as almas enternecem
num milagre permanente.
E os anos vão passando
um a um, regularmente…
Passam muitos, muitos anos,
histórias, muitas histórias,
ansiedades, dificuldades
até alguns desenganos.
Conquistas, muitas vitórias
de trabalho, muito labor,
cantigas, choros e risos,
e muito amor.
Sorrisos,
como quem festeja
a vida, em música tocada alegremente
em vários pianos, profanos,
com muitas viagens, passeios
em oceanos de inveja.
……….
Por fim,
ao porvir um olhar descontraído
um pensar cuidadoso, maduro.
Na lembrança do passado e as voltas que o mundo deu,
um recolher decidido
com uma visão sossegada do futuro,
que ainda é meu.
Enfim!

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Ontem cansado

                               
Em tempos passados imaginei
um mundo luminoso, formidável,
fraterno, solidário, sem rancor,
completamente embriagado
no desejo permanente de se dar.
Sempre pensei:
Admirável mundo, admirável…
tanto trabalho com amor,
tanto casal entrelaçado,
tanta criança a correr, a brincar
à espera do futuro, um mundo belo, sonhei…
………
Ontem, desiludido, cansado,
ao saber de tanta fome, tanta dor,
tanta maldade, tanta injustiça,
tanta preguiça, tanto rancor,
tanto idoso em solidão, sem companhia, sem pão...
Sem forças p’ra mudar seja o que for
virei a cara à luta e disse: NÃO!
Feri os meus sentidos, fechei o olhar,
rasguei conceitos, fiz-me ignorado,
aboli sonhos, vi a solidão, e gritei alto: não quero sonhar!
Que importa a dor, se a mim nada me dói?
Que importa a fome, se a mim não falta o pão?
Que importa a guerra, se em mim tenho a paz?
Se tornam ódio o que ontem amor foi,
deixem-me só. E nessa confusão
lutem os outros. A mim tanto me faz…
………………
Hoje, indeciso,
volto a pensar em tudo novamente,
a re-colar pedaços de ilusões,
volto a olhar tanta criança a correr
alegremente...
E tento crer que há um querer ardente
a sobrepor ao ódio e às paixões.
Não desistir, acreditar, crer,
querer recomeçar, a descobrir
que tudo é possível alcançar.
Sentir o que é preciso sentir
ao olhar o céu, o sol, as flores,
abrir a alma, sentir os odores,
ver o sorriso de alguém
que nos abraça, nos quer.
Se a esperança vier
quem nos impede? Ninguém…

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Quarenta e sete

               Quarenta e sete anos se passaram
               Tão depressa,
               Num instante que se estende
               E que aquece
               E só o coração entende.
               Dia a dia, passo a passo,
               Lado a lado num abraço
               Que os beijos prolongaram.
               Tanto tempo p’ra sentir
               Tanta alegria, o teu calor,
               Reter o teu olhar, o teu sorrir.
               Tanto sorriso e brincadeira,
               Tanto silencio sofredor,
               Tanto desabafo de cabeceira
               Tanto amor.
               Quisera escrever bonitas prosas
               Mil palavras, mil sonetos
               E gritar aos quatro ventos
               Tudo aquilo que me deste e eu sonhei:
               Duas filhas, quatro netos.
               Desculpa-me, porque sei
               Que os meus ais, os meus lamentos
               Nada são mais que ornamentos
               Ao teu amor, que ganhei.