quinta-feira, 31 de maio de 2012

Encontro anual

Percorro um a um todos os rostos,

rebusco em suas faces uma lembrança que me faça recordar

tempos passados, uma turma, um recreio,

uma briga ou um jogo, um passeio

fora de muros de chapéu e fato preto.

Nada me ocorre.

A capela está cheia, todos cantam, todos rezam

(sem parar de conversar…) e eu só penso e me revolto

por não ter na minha mente

pelo menos um registo, um nome por quem pudesse chamar!

Desfilam no final, quase em parada,

um cumprimento vago, de que turma? de que ano?

E o frei Sabino? O Evaristo? Morreu o Frei Arlindo…

E pouco mais…

Saem apressados para o almoço no refeitório

de sempre – está pintado de novo? E isso importa?

Sobe a algazarra e até há encontrões, sem maldade,

e reparo que são todos mais novos que eu!

Apenas alguns frades mais velhotes…

sorridentes, franciscanos residentes

que já foram professores. Do meu tempo? Apenas um.

Sessenta anos passaram – eu diria que voaram…

e tudo é diferente, outros tempos

outra gente

que nada me fez recordar.

E no regresso,

pergunto-me se vale a pena voltar…

terça-feira, 22 de maio de 2012

Cleonice Berardinelli

            Nas páginas dos jornais surgem por vezes algumas agradáveis reportagens que leio com agrado e até me surpreendem pela clareza do seu texto e por me chamarem a atenção para factos que até me poderiam passar despercebidos ou pura e simplesmente seria incapaz de descobrir.
            A jornalista Alexandra Lucas Coelho já me habituou a excelentes reportagens no “Público” sobre diversos temas e, em 19 de Maio corrente, teve a feliz ideia de efectuar uma com o título “Que mistério tem Cleonice?” e me despertou toda a curiosidade e pela qual deve ser amplamente elogiada, não por se referir apenas a uma sessão comemorativa dos 175 anos do Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro, (que por si só poderia aqui em Portugal ser considerado uma notícia corrente…) mas sobretudo pela forma clara, íntima, informal, amorosa e gentil que releva para com a professora universitária brasileira Cleonice Seroa da Mota Berardinelli (Rio de Janeiro, 28 de agosto de 1916) especialista em literatura portuguesa, que tinha sido convidada para falar na sessão. Apesar dos seus 95 anos dissertou amplamente sobre a história da instituição e sobre literatura portuguesa, sempre com uma  clareza e linguagem perfeita, sábia e cativante, lendo, improvisando, citando um e outro escritor, um e outro texto ou poema, com facilidade e para deslumbramento de todos.
            A reportagem está muito bem apresentada mas o que eu queria aqui registar é uma “conclusão” brilhante da palestrante e que nunca vi abordada: os pares Fernão Lopes – Alexandre Herculano e Gil Vicente – Almeida Garrett. Herculano com raízes no velho cronista medieval e portanto rigoroso, ascético, mais frio, duro e inflexível; e Garrett o “primeiro romântico de Portugal” dândi, amante de mulheres e dos títulos. Termina com a frase “ama-se Garrett apesar dos seus defeitos, ama-se Herculano apesar das suas virtudes”.
            Como escreveu a jornalista: "Lá fora continua a chover. E no fim, sim, chegam flores. Rosas para o mistério da eterna juventude de Cleonice Berardinelli”.

domingo, 13 de maio de 2012

O problema sou eu

O problema sou eu.
Não choro nem rio, não sei festejar,
e tudo me parece errado, só sei reclamar.
Com nada concordo e nada me satisfaz,
não gozo sequer o tempo que tenho,
o ar que respiro …
Só penso e medito, julgando a meu modo,
(estranho modo de julgar…)
sem ter a noção de que tudo se esvai
num instante…
Sou um louco solitário,
tantas noites, tantos dias
tentando saber teus pensamentos,
adivinhar tudo aquilo que querias
sem ter que perguntar…
Antes de acontecer
quero saltar barreiras e muros,
prever reacções, desejar emoções,
e sentir paz!
Mas não a alcanço, não sou capaz
e triste me aborreço, a mim e aos outros.
O problema sou eu.