quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

HAJA NATAL . . .

 Mulheres atarefadas
Tratam do bacalhau,
Do peru, das rabanadas.
-- Não esqueças o colorau,
O azeite e o bolo-rei!
- Está bem, eu sei!
- E as garrafas de vinho?
- Já vão a caminho!
- Oh mãe, estou pr'a ver
Que prendas vou ter.
Que prendas terei?
- Não sei, não sei...
Num qualquer lado,
Esquecido, abandonado,
O Deus-Menino
Murmura baixinho:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu? 
 
Senta-se a família
À volta da mesa.
Não há sinal da cruz,
Nem oração ou reza.
Tilintam copos e talheres.
Crianças, homens e mulheres
Em eufórico ambiente.
Lá fora tão frio,
Cá dentro tão quente!
Algures esquecido,
Ouve-se Jesus dorido:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu? 
 
Rasgam-se embrulhos,
Admiram-se as prendas,
Aumentam os barulhos
Com mais oferendas.
Amontoam-se sacos e papeis
Sem regras nem leis.
E Cristo Menino
A fazer beicinho:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu? 
 
O sono está a chegar.
Tantos restos por mesa e chão!
Cada um vai transportar
Bem-estar no coração.
A noite vai terminar
E o Menino, quase a chorar:
- Então e Eu,
Toda a gente Me esqueceu? 
 
Foi a festa do Meu Natal
E, do princípio ao fim,
Quem se lembrou de Mim?
Não tive tecto nem afecto!
Em tudo, tudo, eu medito
E pergunto no fechar da luz:
- Foi este o Natal de Jesus? !!!
 
(João Coelho dos Santos  -  in Lágrima do Mar - 1996)
 



terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Jornalismo infectado...

            Lembram-se do padre Garibaldi” foi uma reportagem que o jornal Público publicou no passado sábado, dia 15 de Dezembro, com o destaque de uma página inteira e subordinada ao tema “Abuso de menores”.
O jornalista Paulo Moura descarrega aí com descuidada desenvoltura um sem número de situações que lhe terão sido contadas por antigos alunos de seminários de Fundão e/ou Tortosendo, e que causam indignação e repulsa ao comum leitor, que normalmente não estará preparado para ouvir tais relatos. Foi isso que aconteceu comigo.
Acredito que aquele jornalista se tenha precavido com provas reais de tudo quanto diz ter-lhe sido contado, pois que o modo imprudente como o faz dá a entender que aqueles procedimentos eram “regra” generalizada, o que não creio de modo algum. Cheguei a pensar que o jornalista terá encoberta uma intenção de denegrir a imagem da Igreja, em geral, mas não saberei as razões porque o faria…
Torna-se evidente que os testemunhos são só de antigos alunos que para lá foram contrariados – ou porque queriam estudos para evitar a guerra no Ultramar, ou porque a mãe desejava ter um filho padre, ou por influência de um padrinho – ou de outros que foram expulsos. Não tinham portanto qualquer vocação para aquela “carreira” e portanto há que ter muita reserva quanto a eventuais afirmações que posteriormente possam ter feito.
Que credibilidade podem ter testemunhos como o de A. que “odiou o seminário desde o primeiro dia”, e diz “que havia uma disciplina rígida, com as horas para rezar que eram um choque para um rapaz habituado à liberdade do campo”? Mas porque não disciplina? “Raramente havia carne ou peixe, mas o padre vigilante víamo-lo comer bifes todos os dias”, quem acredita nisto? Ou nisto: “os padres… roubavam e levavam para o refeitório deles…”, “padres paranóicos”, “os padres tinham prazer em bater”, etc. etc. A maior parte das denúncias sobre eventuais abusos são referidas a terceiros, como M, que “conhece casos de antigos alunos”, “quarto para onde, diziam, levava os meninos… etc. etc.
Quero aqui e agora referir que eu também estudei num seminário: Colégio de Montariol, em Braga, facto de que me orgulho muito, que nunca escondi e tenho gosto em divulgar, pois foi a continuação de uma formação moral iniciada na minha família e de que me orgulho.
O modo como aquele artigo está escrito mais não é que uma tentativa de generalizar algo que poderá ter acontecido no tal seminário do Fundão ou Tortosendo mas que acredito nunca poderá ser entendido como prática corrente, como o jornalista quer fazer crer. Nem no Fundão nem em qualquer outro seminário.
Esquece o jornalista – nem uma só referência – que a preparação de um candidato a sacerdote deve ser muito cuidada, para que se formem bons sacerdotes e não (ou apenas) muitos sacerdotes, dada a missão a que estarão destinados e eles próprios irão ser objecto de permanente observação por parte de todos quantos com ele privam. Sendo assim, é certo que tem de existir desde o início da sua formação uma forte disciplina e permanente espírito de sacrifício, obediência, castidade, sacrifício, etc. etc. Quem não compreende isto não sabe o que é um sacerdote.
Quanto a desvios comportamentais há de certeza em todo o lado (e desde há séculos) seja nas escolas, no liceus, nos colégios, na vida militar, nas empresas, nas famílias e nos seminários também, mas não passarão de casos de excepção.
Tenho a sensação que há temas que se tornaram um alvo permanente de determinados jornalistas ou que pelo menos dão aso à sua permanente atenção, o que não se critica, critica-se sim a sua constante busca de sensacionalismo porque… estão na moda! Na moda porque são temas fracturantes, na moda porque são “intelectualmente de esquerda”, na moda porque chocam, na moda porque são contra a igreja, na moda porque são contra o governo, na moda porque “vendem”, na moda porque insinuam ou até atacam este e aquele, na moda porque… a intenção é ser sensacionalista!

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Insónia


Era rara a noite em que não via a capicua: 02:20! Números vermelhos, grandes, que reflectiam no tecto e nas paredes uma pequena luminosidade ténue mas embaladora, ajudando-o a reflectir e a adormecer… Aliás achava curioso que a luz do despertador não o incomodasse, o mesmo não acontecendo com o sinal verde de presença do televisor, um sinal muito mais pequeno mas que lhe surgia mais forte, incomodativo e o para o qual evitava olhar. Seria por ser verde? Será que o verde é mais excitante que o vermelho ou este é por si mesmo mais embalador? Haverá alguma justificação química ou física para a diferença de sensações que uma ou outra côr podem transmitir? Curioso que nos semáforos o verde é para avançar e é com o vermelho que se deve parar… É como se o verde fosse o símbolo da vida e da esperança (está verde, avança…) e o vermelho fosse o símbolo do amor e do sacrifício (está vermelho, tem paciência e espera…)! Mais tarde gostaria de se debruçar mais sobre este assunto das cores que pelos vistos parece terem todas e cada uma delas o seu próprio significado ou simbologia. Mas então teria muito que aprender: vermelho, laranja amarelo, verde, azul, anil e violeta – tantas são as cores do arco íris! Aliás aquela cor (anil) é um pouco esquisita e distingue-se mal entre o azul e o violeta… Quando estudava música, lembra-se de lhe terem dito que em tempos houve um físico inglês (Isaac Newton) que com as suas experiências descobriu esta “nova” cor e a referenciou para que fossem sete como sete são as notas musicais e os dias da semana e (na altura) os planetas.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Auto dos Danados


            ... Retirado dos meus "registos" ...
O “Auto dos Danados” do Lobo Antunes é realmente um livro com um texto denso, por vezes até confuso, embora num estilo que sempre me agradou pelos trocadilhos que introduz, colocando simultaneamente diversas situações e pessoas a exprimirem-se, pelo que só com muito cuidado e atenção se consegue atingir a finalidade do texto. Se é que existe… pois vezes há em que tudo é confuso e, ao fim das quase 150 páginas que já li, ainda não encontrei um fio concreto na história narrada. Apenas personagens soltas, factos que “quase se interligam” mas sem que eu possa adivinhar a realidade. O que não tenho dúvida é que gosto da sua maneira de escrever, muito directa, às vezes até bruta, saltando de um para outro assunto, transgredindo uma ou outra regra gramatical, mas numa sequência harmoniosa de palavras.
Quando encontro textos que me agradam (e tantas vezes isso tem acontecido…) paro uns momentos e começo a pensar como sou pequenino e simples naquilo que tento escrever. Por vezes até posso ter algumas ideias engraçadas ou curiosas mas… não sou capaz de as transmitir para o computador ou papel em modo fiel com esse pensamento. Faltam-me as palavras essenciais, falta-me a expressividade e nitidez de exposição, aliás assunto que já uma vez comentei com o A... e nele admiro. Saber escolher as palavras próprias para relevar sentimentos que se sentem.


domingo, 7 de outubro de 2012

JORGE MOYANO


     Realizou-se na passada sexta-feira, 5 de Outubro, no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, o concerto de piano de Jorge Moyano. Já há meses que eu esperava por este recital de Jorge Moyano integrado na programação da CEC e por isso já há mais de uma semana tinha adquirido os bilhetes. Eu já tinha assistido a um outro concerto dele, também em Vila Flor e também no pequeno auditório, como agora, tendo fixado definitivamente o nome dele como dos melhores pianistas que já tinha ouvido. Voltou a estar a sala cheia e isso deve constituir um duplo orgulho para a CEC, pois comprova que Guimarães tem sempre público para estes espectáculos – e os concertos a solo ou com orquestra tem tido quase sempre casa cheia – mas também que as escolhas dos programadores da CEC têm sido acertadas.
     Devo referir que penso que neste ano de 2012 já devo ter assistido a mais concertos, sobretudo de orquestras, que nos últimos cinco ou dez anos… Embora tenha algumas noções de música e me considere um apaixonado da mesma, confesso que não terei conhecimentos suficientes para poder dar opiniões bem fundamentadas sobre este ou aquele concerto, este ou aquele espectáculo, este ou aquele concertista… Mas ninguém me pode negar o direito de formar uma opinião que alicerço naturalmente na minha percepção do que… gosto ou não gosto.
     Sobre Jorge Moyano já tinha uma opinião face ao que me lembrava de ter ouvido no último concerto e foi calmamente que me sentei para ouvir a sua execução de um programa que era constituído por quatro pequenos trechos (chamaram-lhe miniaturas…) do compositor português Armando José Fernandes, escritos em 1928, seguindo-se uma sonata de J. Brahms e, na segunda parte, dois nocturnos, uma barcarola e a polonaise Heróica de Chopin intercaladas com uma obra de Liszt.
     As miniaturas de António José Fernandes são trechos muito curtos e simples na sua estrutura, parecendo prelúdios de Chopin ou peças de estudo, muito harmoniosas que se ouviram com muitíssimo agrado. Seguiu-se a sonata de Brahms com cinco andamentos quase sempre fortes, interligados com frases melodiosas mas rondando sempre o mesmo tema. Ouvi toda a peça com serenidade, embora por vezes me sentisse um pouco cansado da sua complexidade melódica… Mas fiquei extasiado sobretudo com a maestria do desempenho do concertista, em especial no terceiro andamento, muito triste, compassado, inebriado, intimista. Accionava as teclas do piano quase por favor, concedendo uma interpretação expressiva intensa.
     Se me impressionou essa forma delicada de tocar essa sonata mais a notei em toda a segunda parte do concerto, até porque a própria programação era composta por obras muito mais harmoniosas e… conhecidas. Se a peça de Liszt nos aproximava muito da música religiosa as peças de Chopin possuíam aquelas sequências naturais das obras deste autor, muito trabalhadas, intercaladas com pequenas escalas, muita musicalidade e sempre, mas sempre, apresentadas com uma ternura e expressividade que conquistam qualquer pessoa.
    Toda esta minha admiração não me impede de registar um pequeno mas… A velocidade das sequências das escalas da polonaise op. 35, também conhecida por Heróica, foi a meu ver demasiado elevada e com fortíssimos muito grandes, deixando as sequências por vezes embrulhadas em tanta sonoridade que não deixavam recepcionar plenamente a melodia. No entanto não é este pormenor que desilustra a actuação global do pianista.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Facebook


Tem havido grande alarido com a situação política do país, face ao generalizado descontentamento da população com as várias medidas tomadas pelo governo, com vista ao controlo do deficit e conforme as obrigações assumidas perante os organismos internacionais que efectuaram o empréstimo a Portugal. Já se realizaram algumas manifestações públicas, algumas com muita adesão e muitos milhares de manifestantes. Foi convocada uma reunião do Conselho de Estado que já se realizou e até uma enorme manifestação junto às instalações da Presidência da República onde se registaram alguns incidentes, mas de pouca monta.
O que eu noto, nas manifestações de rua, nas arruaças quase diárias em qualquer local onde tenha que se deslocar qualquer membro do governo, nos comentários dos jornais e nas reportagens televisivas, é um exagero nos termos usados quer na linguagem quer nos gestos e atitudes, todos gritando e soltando insultos a este e àquele, como se houvesse um caminho muito diferente a percorrer que não fosse o combate ao desperdício, a poupança e a tentativa de remediar tantas asneiras feitas em tempos passados, não muito longínquos. Quase todos os dias surgem notícias de factos e decisões tomadas anteriormente e que agora se tornam quase impossíveis de suportar, e todas as recriminações estão a cair sobre os dirigentes actuais como se fossem eles os culpados de tudo.
Até no facebook que agora visito regularmente (não sei se me virei a arrepender…) aparecem frases e até insultos que, a meu ver, são injustos ou descabidos, mas tudo parece uma bola de neve que, com uma palavra daqui e outra dali, uma piada deste e outra daquele, um insulto “engraçado” que se torna “moda” e outras situações… tudo vai engrossando não sei até que ponto e onde parará, se é que vem a parar.
Por outro lado já não é novidade para ninguém que este movimento das chamadas redes sociais é uma força quase incontrolável, pois o que começa por ser uma brincadeira ou por vezes apenas uma provocação pode autodesenvolver-se e originar um movimento de consequências enormes. É muito fácil ter acesso a estas redes, escrever uma frase ou até “atirar uma pedra”, ninguém controla se é verdade ou mentira e a “mensagem” espalha-se velozmente. Tudo isto vai sucedendo também porque há muita gente a dar razão aos insatisfeitos: muita asneira se tem feito, muito desperdício ocorre, muita corrupção existe, muita incompetência tem sido premiada e muita injustiça tem sido praticada. E a justiça, onde está? E os valores morais por que se perderam?
Não se podem tratar os assuntos sem insultar? Não se podem dar opiniões, mesmo diferentes, sem recorrer a impropérios?

terça-feira, 19 de junho de 2012

Comportamentos

           Depois de uma conversa informal com alguns amigos, dei comigo a pensar em como em relação a um qualquer assunto podem ser diferentes as maneiras de pensar das pessoas. Sem qualquer intenção de julgamento final pois não estarei dentro de todas as premissas… vou referir-me apenas a estes dois factos:
Primeiro: Salvo erro por volta de 2007 foi efectuado o arrendamento das instalações onde funciona agora o Tribunal de Varas de Guimarães e que, segundo o NG da semana passada, poderá ter sido um “negócio” bastante esquisito pois, para além da renda anual acordada ter sido excepcionalmente elevada (mais de 35.000 euros mensais) - o que originou na altura fortes protestos da vereação da bancada da oposição - o contrato foi celebrado com uma empresa representada por uma familiar dum conhecido militante de topo do PS e fundador da JS de Ourém e que na altura nem sequer era ainda proprietária do edifício. Essa empresa beneficiou de um empréstimo do agora famoso BPN para a sua aquisição, dando como garantia precisamente a promessa desse arrendamento! Se pensarmos que pela pasta da Justiça foram responsáveis Alberto Costa e depois Alberto Martins (natural de Guimarães) e que depois de alertados para as irregularidades do negócio e excesso de valor… nada puderam fazer, chegamos à conclusão de que algo estará mal! Acrescente-se que o empréstimo foi de cerca de quatro milhões de euros e o edifício terá custado menos de dois milhões.
Segundo: Nos últimos dias tem sido notícia o facto de um ex-membro da Policia Judiciária e que foi eleito para a direcção do Sporting Clube de Portugal, donde aliás já se demitiu, ter sido indiciado e notificado pelo Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa pela prática de alguns “ilícitos” como agora se diz… de desvio de fundos, peculato, participação económica em negócio fraudulento, negócios com árbitros e jogadores, burla qualificada e fraude fiscal, tudo numa embrulhada que origina desconfiança geral e, pelos vistos, também das próprias entidades judiciárias.
Eu penso que a generalidade das pessoas que tomam conhecimento destes casos e de outros idênticos ficam surpreendidas e até revoltadas com atitudes menos dignas e sérias e que causam danos ao erário público, como terá sido o caso do BPN e das exageradas rendas suportadas. Mais revolta causa o facto de serem muito frequentes episódios deste género donde saem sempre a ganhar uns tantos espertalhões e que ou são sempre os mesmos ou estão sempre interligados por elos partidários, familiares, ou até de sociedades mais ou menos secretas… Até nem nos surpreendemos quando nesses imbróglios surgem nomes sonantes da praça, muito badalados na comunicação social, da política ao desporto, dos negócios às autarquias! Mas tudo passa e tudo se esquece em pouco tempo.
Mas - e aqui volto ao princípio – o que me admirou nessa conversa foi o facto de eu ter ficado com a opinião de que foram várias as pessoas presentes que acharam isso quase “normal” pois a corrupção até será desculpável numa situação como aquela que por cá se vive, uma situação quase generalizada onde “os espertos é que se safam”!
Será mesmo assim? Terá de ser mesmo assim? E então a honestidade, a seriedade, a dignidade e a honra, onde ficam?

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Encontro anual

Percorro um a um todos os rostos,

rebusco em suas faces uma lembrança que me faça recordar

tempos passados, uma turma, um recreio,

uma briga ou um jogo, um passeio

fora de muros de chapéu e fato preto.

Nada me ocorre.

A capela está cheia, todos cantam, todos rezam

(sem parar de conversar…) e eu só penso e me revolto

por não ter na minha mente

pelo menos um registo, um nome por quem pudesse chamar!

Desfilam no final, quase em parada,

um cumprimento vago, de que turma? de que ano?

E o frei Sabino? O Evaristo? Morreu o Frei Arlindo…

E pouco mais…

Saem apressados para o almoço no refeitório

de sempre – está pintado de novo? E isso importa?

Sobe a algazarra e até há encontrões, sem maldade,

e reparo que são todos mais novos que eu!

Apenas alguns frades mais velhotes…

sorridentes, franciscanos residentes

que já foram professores. Do meu tempo? Apenas um.

Sessenta anos passaram – eu diria que voaram…

e tudo é diferente, outros tempos

outra gente

que nada me fez recordar.

E no regresso,

pergunto-me se vale a pena voltar…

terça-feira, 22 de maio de 2012

Cleonice Berardinelli

            Nas páginas dos jornais surgem por vezes algumas agradáveis reportagens que leio com agrado e até me surpreendem pela clareza do seu texto e por me chamarem a atenção para factos que até me poderiam passar despercebidos ou pura e simplesmente seria incapaz de descobrir.
            A jornalista Alexandra Lucas Coelho já me habituou a excelentes reportagens no “Público” sobre diversos temas e, em 19 de Maio corrente, teve a feliz ideia de efectuar uma com o título “Que mistério tem Cleonice?” e me despertou toda a curiosidade e pela qual deve ser amplamente elogiada, não por se referir apenas a uma sessão comemorativa dos 175 anos do Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro, (que por si só poderia aqui em Portugal ser considerado uma notícia corrente…) mas sobretudo pela forma clara, íntima, informal, amorosa e gentil que releva para com a professora universitária brasileira Cleonice Seroa da Mota Berardinelli (Rio de Janeiro, 28 de agosto de 1916) especialista em literatura portuguesa, que tinha sido convidada para falar na sessão. Apesar dos seus 95 anos dissertou amplamente sobre a história da instituição e sobre literatura portuguesa, sempre com uma  clareza e linguagem perfeita, sábia e cativante, lendo, improvisando, citando um e outro escritor, um e outro texto ou poema, com facilidade e para deslumbramento de todos.
            A reportagem está muito bem apresentada mas o que eu queria aqui registar é uma “conclusão” brilhante da palestrante e que nunca vi abordada: os pares Fernão Lopes – Alexandre Herculano e Gil Vicente – Almeida Garrett. Herculano com raízes no velho cronista medieval e portanto rigoroso, ascético, mais frio, duro e inflexível; e Garrett o “primeiro romântico de Portugal” dândi, amante de mulheres e dos títulos. Termina com a frase “ama-se Garrett apesar dos seus defeitos, ama-se Herculano apesar das suas virtudes”.
            Como escreveu a jornalista: "Lá fora continua a chover. E no fim, sim, chegam flores. Rosas para o mistério da eterna juventude de Cleonice Berardinelli”.

domingo, 13 de maio de 2012

O problema sou eu

O problema sou eu.
Não choro nem rio, não sei festejar,
e tudo me parece errado, só sei reclamar.
Com nada concordo e nada me satisfaz,
não gozo sequer o tempo que tenho,
o ar que respiro …
Só penso e medito, julgando a meu modo,
(estranho modo de julgar…)
sem ter a noção de que tudo se esvai
num instante…
Sou um louco solitário,
tantas noites, tantos dias
tentando saber teus pensamentos,
adivinhar tudo aquilo que querias
sem ter que perguntar…
Antes de acontecer
quero saltar barreiras e muros,
prever reacções, desejar emoções,
e sentir paz!
Mas não a alcanço, não sou capaz
e triste me aborreço, a mim e aos outros.
O problema sou eu.


sexta-feira, 13 de abril de 2012

Fundação Orquestra Estúdio


Integrado na programação de Guimarães – Capital Europeia da Cultura 2012, assisti no Centro Cultural Vila Flor a mais um concerto da Fundação Orquestra Estúdio, desta vez sob a direcção do maestro Miguel Graça Moura, de quem eu tinha uma imagem de alguma juventude mas que, afinal, já anda na casa dos 65 anos! Recordo-me também de alguma polémica em que o seu nome esteve envolvido, por causa da Orquestra Metropolitana de Lisboa há uns anos, mas parece ter ultrapassado tudo, e ainda bem. Apesar dessa idade e até um certo andar pesado e mais compassado (qualquer problema físico?) e embora eu tenha pressentido na sua direcção algumas hesitações iniciais, talvez erradamente, o certo é que me convenceu por completo com a sua direcção. Muito firme, puxando bem e firmemente por todos os naipes, foi também muito simpático no final com os solistas e todos os intérpretes e até com o público que brindou com dois encores.
O programa foi totalmente português, pois foram executadas três obras de nacionais: inicialmente e em estreia mundial a obra intitulada “Poema de Maresia” de António Vitorino de Almeida (que estava presente na assistência); depois e também em estreia mundial o “Concerto para Clarinete e Orquestra” de Mário Laginha, também presente na sala; e finalmente a sinfonia “A Pátria” de José Vianna da Motta. Ora como o clarinetista solista foi Carlos Piçarra Alves… conclui-se que foi um concerto totalmente português.
Saí muito satisfeito. Da obra de António Vitorino de Almeida eu estava com certo receio, pois imaginei que enveredasse por um estilo muito técnico e moderno, como ultimamente tenho ouvido algumas suas intervenções, como intérprete ou como autor. Mas não, era uma peça muito densa, mas com sentidos recortes de música portuguesa onde descobri, aqui e ali, frases que eu quase diria conhecer… deste fado… ou daquela canção… Não faltaram naturalmente situações de muito clamor, mais complicadas, ou de muita serenidade e agradável sonoridade. Até vi pela primeira vez num concerto de orquestra a presença e o bonito som de um acordeão! Mais ainda: para além do piano havia também um (ou uma?) clarinova, com o som e formato muito parecido com o cravo.
O concerto do Mário Laginha foi outra surpresa, pois estava à espera de uma quase sequência de música de jazz mas, afinal, foi outra conseguida obra com retoques bem portugueses, onde também descobri muitos compassos de autêntico folclore, quase “conhecidas” melodias, naturalmente muito misturado com ritmo e acordes de muito vigor. Um registo também para o virtuosismo do clarinetista que a todos contagiou com a sua sonoridade e sentimento. Muito bom.
A finalizar o esplêndido espectáculo ouvimos a sinfonia de José Vianna da Motta muito mais extensa e envolvente, com quatro andamentos perfeitamente identificados, com um início alegre e vigoroso, seguindo-se um entretenimento absolutamente envolvente e solene, um terceiro com frequentes citações marcadamente portuguesas, embora em determinada altura tenha surgido uma referência castelhana… de que não gostei muito. O final é solene intercalando os andamentos lentos com partes mais vivas, e com um final muito feliz.
Pareceu-me ter sido do agrado de toda a gente e, no final deste concerto, fiquei apenas com uma dúvida: de que gostei mais? Do poema rico de António Vitorino de Almeida? Do concerto diversificado do Mário Laginha? Da sinfonia majestosa do Vianna da Motta? Da interpretação soberba do clarinetista? Da direcção firme de Graça Moura? Da actuação geral da Fundação Orquestra Estúdio?
Não sei escolher…

sexta-feira, 9 de março de 2012

Wim Mertens

     Assisti a mais um concerto no CCVF para o qual já tinha comprado bilhetes há muito tempo: Fundação Orquestra Estúdio com o Wim Mertens, compositor e pianista belga muito reconhecido internacionalmente e que aqui veio apresentar um conjunto de composições feitas por encomenda para a CEC.
     As expectativas não saíram de modo algum goradas, antes pelo contrário foram superadas – pelo menos para mim, que não conhecia muito bem o autor nem como intérprete nem como compositor.
     Com a sala completa (bilhetes esgotados há muitos dias) esta estreia mundial de cerca de uma dúzia de composições e outras do seu reportório em estilos e sons diversos surpreendeu-me em absoluto. Logo no início surgiu um trecho apenas em percussão mas com um ritmo e intensidade impressionantes que logo cativou a assistência.
     Seguiram-se diversos temas com a orquestra e piano (e até canto, pelo autor – embora a sua voz aguda não seja nada de especial mas, de qualquer modo muito “quente e abafada”) com um aproveitamento excepcional dos ritmos, das batidas sincopadas, das variações bruscas em ritmos e tempos, passagens rápidas de pianos para fortes, com crescendos formidáveis e arrebatadores.
     Assinalei algumas situações que me fizeram entender por que razão o programa falava em “música descontinuada”: situações em que a “métrica” de um naipe musical parecia não coincidir com outro naipe! Aliás houve diálogos formidáveis entre as cordas e os metais, por exemplo, sempre com o piano a intervir com vigor ou suavemente, melodicamente ou quase em dissonância. De assinalar também várias interpretações a solo de harpa, de percussão, contrabaixo, trompete e trombone, para além do piano… naturalmente!
     Memorável!

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Três noites musicais

Retirei do meu diário:
Foi uma “maratona de três noites musicais…”, iniciada na quinta-feira dia 16 de Fevereiro com um concerto na Igreja de S. Francisco – sempre um belo cenário – com a Orquestra da Universidade do Minho e o coro de Alunos da Licenciatura em Música da Universidade do Minho – licenciatura que eu nem sabia existir em Braga - na comemoração do XXXVIII aniversário da Universidade. Com muita gente a assistir, o que foi para mim uma surpresa pois a noite estava mesmo muito fria, notando-se no entanto muitos alunos e professores universitários, mas também muito outro público. Foi uma actuação muito conseguida, que se iniciou com a suite sinfónica Scheherazade do compositor russo Rimsky Korsakov e que preencheu toda a primeira parte do concerto, só com a orquestra, que esteve muito bem tendo eu gostado sobretudo da interpretação da harpa e do conjunto de trompas. Na segunda parte actuou também o referido coro e, no total, estariam a actuar cerca de cento e dez músicos, entre orquestra e coro, o que só por si proporciona logo um ambiente forte, cheio, completo, muito do meu agrado. Nesta segunda parte foram interpretadas quatro obras, duas do checo Smetana, com uma música muito previsível, sem grandes encantamentos, e depois outras duas obras de Borodin, aliás as mais conhecidas deste compositor “Príncipe Igor” e “Danças Polovtsianas”. Sobretudo nestas duas últimas interpretações foi visível a satisfação da assistência, talvez porque eram melodias conhecidas.
Na noite seguinte fui até à Igreja dos Capuchos (antigo hospital) onde se realizou mais um concerto de órgão ibérico, integrado num festival de doze concertos mensais que se iniciou em Janeiro e que, portanto, se prolongará até Dezembro deste ano, tudo integrado no programa de Guimarães Capital Europeia da Cultura 2012. Eu estava com certa curiosidade neste concerto pois já não me lembrava de ter assistido a um concerto de órgão (talvez na Igreja da Lapa, anos de 1964, 1965?) e nem sabia ao certo a valia do órgão instalado naquela igreja. Sendo o órgão um instrumento musical de grandes dimensões, constituído por tubagens, foles e condutas de alimentação de ar e sistemas de transmissão (teclados), o seu som não me era totalmente desconhecido mas, francamente, só me lembrava do som harmoniosamente compacto do pequeno “órgão” que cheguei a tocar na Igreja de Santa Luzia e que, afinal, não seria bem um órgão mas apenas um simples harmónio movimentado a pedais… e em tamanho muito pequeno. Pode ter um ou mais teclados (o da Igreja dos Capuchos tem dois) sendo que cada teclado corresponde a uma secção individual, isto é, um órgão separado, colocado num sítio específico da caixa, reunindo um conjunto particular de registos, pelo que nos sons produzidos se notam características diferentes. Tudo isto eu soube depois de uma consulta na internet… confirmando-se a impressão que sentira no local de “ouvir” tonalidades e timbres diferentes quando o organista mudava de teclado, o que foi possível em virtude da projecção simultânea que fizeram e achei uma óptima ideia, pois o público estava cá em baixo e o organista… lá em cima!
Este concerto demorou pouco mais de uma hora e foi seu intérprete um jovem de 30 anos de seu nome Daniel Ribeiro, que teve uma muito boa actuação e foi muito aplaudido. Evidentemente que não posso nem devo fazer uma apreciação técnica (ou artística…) do evento, pois não tenho capacidade para isso. Só posso dizer que me agradou, foi um espectáculo diferente, com umas tonalidades muito próprias quase parecendo os sons da flauta de pan (Rão Kyao). Todas as peças tocadas me eram desconhecidas e dos seus autores apenas conhecia o nome de um: Carlos Seixas. Mas todas as músicas me fizeram sentir um recuo a tempos muito antigos, sons e escalas de gregoriano, barroco, fugas… Valeu pela diferença.
Esta tríade musical terminou em grande e em beleza, com o concerto no grande auditório do Centro Cultural Vila Flor há muito anunciado e há muito esperado: Pedro Burmester. Sala cheia, com os bilhetes esgotados já há semanas… não só em virtude do prestígio e valia do concertista, mas também pelo conceito que a Fundação Orquestra Estúdio já granjeou no meio e ainda pela grande curiosidade de ouvir, em estreia mundial, um trabalho encomendado ao compositor português Fernando Lapa.
Essa abertura sinfónica mostrou-se um trabalho complexo, pleno de cadências e ritmos, harmonias e dissonâncias, muito técnico e de difícil execução. Mais difícil ainda gostar-se desde logo, desde o início, mas com o desenrolar da sua execução apercebemo-nos da difícil complexidade da sua criação e até execução, pelo que não pode deixar-se de admirar e aplaudir.
E o que dizer de Pedro Burmester? Eu gosto de música clássica, tenho uma predilecção especial por música de piano, e encanto-me com música sinfónica, harmoniosa ou complexa, suave ou em crescendo, quando bem interpretada! Pois tudo isto se reuniu neste concerto.
O concerto para piano e orquestra n.º 4 em sol maior, opus 58 de Beethoven foi a escolha para este espectáculo e estiveram bem todos os naipes da orquestra, com os seus 65 componentes, com uma direcção soberba do maestro italiano Francesco La Vecchia. Mas o que mais sobressaiu neste concerto, para além da forma como pianista e orquestra dialogaram, foi a interpretação soberba, diria sublime como Burmester “sentimentalizou” a execução, deixando-me várias vezes “suspenso” de uma esperada nota ou acorde que eu “sentia” iria surgir, mas com uma delicadeza e graciosidade que tocava no mais íntimo do meu ser, com a música abraçando-me como se só a mim se destinasse, nada mais havia, só aqueles sons, umas vezes suaves e cadenciados, outras vezes entrosados no conjunto da orquestra, numa combinação perfeita e harmoniosa.
Eu não sei se sou eu que sou lamechas ou se esta predilecção pela música de piano é exagerada, mas sinto que, ao fim de mais de setenta anos e audição de muitos e muitos concertos, com ou sem piano, devo classificar esta interpretação como a que mais fundo me tocou globalmente, em pleno. Recordo-me dum concerto do Rubinstein no Teatro Rivoli no Porto, em 1965, a que assisti apenas parcialmente e “meio escondido”, mas talvez ainda não tivesse ainda tanta sensibilidade (?) para sentir a música como agora; ou dum outro recital de Jorge Moyano no pequeno auditório também do CCVF, com o pianista ali bem perto de mim e eu a saborear as notas, uma a uma; mas nunca como agora senti tanta vibração e encanto com o que ouvi naquela quase uma hora. Pedro Burmester com esta sua interpretação guindou-se ao primeiro lugar da minha lista de recordações.
A noite terminou com a FOE a interpretar a 9.ª Sinfonia de Antonin Dvorak, conhecida como “Do Novo Mundo”, com laivos de musica tradicional checa e com algumas “frases” orquestrais muito conhecidas e imponentes, onde sobressaiam os trompetes e outros metais, não podendo também deixar de referir a beleza dos solos de fagote, verdadeiramente assombrosos.
Em resumo, foi uma noite memorável de música que ficará na minha memória como talvez a mais “cheia” de sempre.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Acordo Ortográfico


No jornal “Público” de hoje vem a notícia de que Vasco Graça Moura há poucos dias empossado como presidente do Centro Cultural de Belém, fez distribuir uma circular interna dando instruções aos serviços para não aplicarem o novo Acordo Ortográfico e para que todos os conversores – ferramenta informática que adapta os textos ao AO – sejam desinstalados em todos os computadores da instituição. Mais: vem referido que a decisão foi tomada por unanimidade do Conselho de Administração, o que quer dizer que não foi uma decisão arbitrária. Falta saber qual a repercussão que esta decisão vai ter e perguntar se a mesma será ou não legal, uma vez que o governo em 25 de Janeiro de 2011 decidiu que esse AO deveria passar a ser adoptado por todos os serviços do Estado e entidades tuteladas pelo governo. Agora surge a notícia de que a Secretaria de Estado da Cultura adiantou que sendo o CCB uma “fundação pública de direito privado” não estará obrigada a adoptar o acordo antes da data prevista para a sua aplicação generalizada, ou seja 2014.
Poderia dizer que esta decisão não me aquece nem arrefece pois nada tenho a ver com o Centro Cultural de Belém. Mas a verdade é que senti um certo orgulhozinho por verificar mais uma opinião idêntica à minha. Continuo a pensar que esse AO é um disparate, uma coisa não necessária, uma confusão, uma arbitrariedade, até uma covardia perante os “iluminados” que a tal nos querem sujeitar.
Quisera que esta decisão de Vasco Graça Moura, corroborada por outras instituições, muitos outros escritores, figuras públicas e público em geral como disso tem sido prova a leitura de diversas notícias a esse respeito, levasse a que quem sobre o assunto decide possa repensar a situação, revogar o anteriormente decidido e optar por uma norma que não levante nem dificuldades nem oposições pertinentes. Pelos vistos, ainda teremos cerca de dois anos para emendar o erro e ter juízo…

domingo, 15 de janeiro de 2012

Em Fão... junto ao rio




Entre as pontes vejo o rio
deslizar suavemente…
Rio ou lago? Já não sei!
Que de tão calmas as águas
já levaram minhas mágoas
e os mil suspiros que dei.

Tanta paz tanto sossego
descobri neste lugar
que cheguei a sentir medo
de ter cometido um erro:
ter parado de sonhar.

Não há frio nem calor
nem vento em meu redor,
apenas a sensação
de uma brisa a soprar
no peito nova ilusão.