Olhou
para o relógio e teve um sobressalto, pois já passava das dez horas, quando
normalmente por volta das sete já estava de olhos abertos, esperando o início
do barulho caseiro ou do trânsito na rua para então se levantar. Mais precisamente
eram dez horas e treze minutos. Estava sozinho, pois não sentia a mulher a seu
lado, embora a cama ainda estivesse um pouco quente. Mas a persiana da janela estava
ainda quase completamente corrida, deixando apenas entrar uma réstia de luz por
entre as duas ou três primeiras tiras de plástico. Aliás tinha que mandar
reparar aquela persiana que custava a correr ao fechar ou abrir, fazendo um
barulho incomodativo e ficando muitas vezes presa e não deslizava como devia
ser, o que lhe desagradava, pois gostava de dormir com tudo às escuras, ou
antes, com quase tudo às escuras pois tinha o hábito de ficar a olhar para os
números luminosos do despertador, até altas horas da madrugada. Quatro
algarismos dispostos horizontalmente e separados por dois pontos que piscavam a
cada segundo. Era rara a noite em que não via a capicua: 01:10! Números vermelhos,
grandes, que reflectiam no tecto e nas paredes uma pequena luminosidade ténue
mas embaladora, ajudando-o a reflectir e a adormecer… Aliás achava curioso que
a luz do despertador não o incomodasse, o mesmo não acontecendo com o sinal verde
de presença do televisor, um sinal muito mais pequeno mas que lhe surgia mais
forte, incomodativo e o para o qual evitava olhar. Seria por ser verde? Será
que o verde é mais excitante que o vermelho ou este é por si mesmo mais
embalador? Haverá alguma justificação química ou física para a diferença de
sensações que uma ou outra cor podem transmitir? Curioso que nos semáforos o
verde é para avançar e é com o vermelho que se deve parar… É como se o verde
fosse o símbolo da vida e da esperança (está verde, avança…) e o vermelho fosse
o símbolo do amor e do sacrifício (está vermelho, tem paciência e aguenta aí…)!
Mais tarde gostaria de se debruçar um pouco mais sobre este assunto das cores que pelos
vistos parece terem todas e cada uma delas o seu próprio significado ou
simbologia. Mas então teria muito que aprender: vermelho, laranja amarelo,
verde, azul, anil e violeta – tantas são as cores do arco íris! Aliás aquela
cor (anil) é um pouco esquisita e distingue-se mal entre o azul e o violeta…
Quando estudava música, lembra-se de lhe terem dito que em tempos houve um
físico inglês (Isaac Newton) que com as suas experiências descobriu esta “nova”
cor e a referenciou para que fossem sete como sete são as notas musicais e os
dias da semana e (na altura) os planetas.
Tinha
acordado tarde, com dores em todo o corpo e pensou que precisava urgentemente
de um banho retemperador que lhe massajasse os músculos e refrescasse os
pensamentos… Depois ao sair para a rua talvez encontrasse alguém conhecido com
quem pudesse conversar um pouco, pois já há alguns dias que andava assim calado,
casmurro, neura, cabisbaixo e contrariado com tudo e com todos, como se o mundo
tivesse desabado sobre ele ou aguardasse alguma desgraça…
Talvez…
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