No pinhal de Ofir,
na restinga junto ao rio Cávado, encontrei há tempos um velhote que por lá
vivia com um ou dois cães como companhia, num pequeno “refúgio” construído no
meio dos arbustos e tábuas soltas, com sacas de plástico, farrapos e caixotes
de cartão como agasalho. Nunca se meteu com ninguém e soube depois tratar-se de
um antigo combatente do ultramar, que ali viera parar depois de um início de vida
normal, mas que a guerra colonial desequilibrou mentalmente tornando-o um
permanente revoltado e atormentado, sem qualquer ligação social. Teria até
recusado o apoio que chegou a ser-lhe oferecido. Por ali deixava as suas mágoas…
Pelas ruas de Guimarães
vagueia frequentemente um homem dos seus sessenta ou mais anos, de boné ou chapéu
solto, modestamente vestido mas sempre com uma bicicleta pela mão (poucas vezes
o vi montado na mesma…) com uma bandeira de Portugal já muito velha e
esfarrapada, uma pequena cesta com alguns pertences e uma saca de plástico donde
tira alguma coisa para comer, e sempre com um garrafão ou garrafa de vinho dependurado.
Fala sempre muito alto mas não se intromete com ninguém. Vi-o hoje novamente,
resmungando continuamente em alto som mas sem incomodar quem com ele se
cruzava. Atrasei o passo atrás dele para ver se conseguia perceber alguma coisa
do que estava a dizer e tive uma surpresa nunca anteriormente imaginada… Lamentava
e revoltava-se com todo o seu passado: “em África matei os pretos, mas devia
ter morto os brancos”, “perdi a mulher e os filhos e fiquei sozinho”, “lutei
por Portugal e deixam-me uma reforma de miséria”…
Dois casos distintos
apenas ligados pela guerra do ultramar, que resultaram em duas vidas praticamente
destruídas e amarguradas… Quantas mais ainda estarão nas mesmas condições? Quanto
sofrimento existiu e ainda persiste sem que ninguém disso se lembre? Quantos
mortos? Quantos traumatizados física e psiquicamente? Quando penso que também
eu lá estive, entre 1961 e 1964 mas nunca em combate, pois tive a sorte de ir
parar a Moçambique onde a guerrilha se iniciou logo a seguir… sinto um alívio e
dou graças a Deus pela minha sorte.
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