É minha convicção que a apreciação sobre aquilo que acontece nas nossas vidas ou se desenrola à nossa volta está quase sempre subordinada ao modo como antecipadamente esperávamos que esse acontecimento ou facto viesse a ocorrer. Se tudo corre conforme desejávamos ou prevíamos, tudo está bem, somos felizes e celebramos o acontecimento, ou – até ingratamente… - vivemo-lo com a maior naturalidade do mundo como se não pudesse ter sido de outro modo; caso contrário é grande a desilusão, barafustamos, dizemos mal disto e daquilo, tentamos encontrar um ou mais culpados e nem sempre verificamos que o que estava errada era a nossa previsão que, grande parte das vezes, não teria até nada de lógica mas (e) seria apenas o reflexo de um desejo. E a revolta ou desilusão é tanto maior conforme maior foi a expectativa criada.
E vejo que isto acontece em muitos aspectos da nossa vida sobretudo quando fazemos projectos ou temos “sonhos” que queremos ou tentamos realizar, férias que se programam, viagens que se projectam, visitas que se concretizam, encontros que se desejam, estudos que se preparam e tanta e tanta coisa que na nossa vida ocorre.
Quando tudo passa, ou caso a caso, e fazemos o balanço ou apreciação do ocorrido nem sempre somos justos ou realistas e não temos o discernimento razoável para separar o que correu mal daquilo que…, mesmo em pensamento, programamos mal.
Isto acontece muito frequentemente e, se fizermos uma pesquisa pessoal, chegamos à conclusão que também cada um de nós fez, uma vez ou outra ou até muitas vezes, previsões demasiado ambiciosas, excessivas, irrealistas ou sonhadoras. Muitas vezes sucedeu isso comigo mas julgo ter-me “emendado” e ultimamente quando faço projectos, preparo qualquer coisa ou vou a qualquer evento tento não criar muita expectativa e ser muito realista. Mas vejo que nem todos pensam assim.
Ainda há cerca de três meses verifiquei (e foi e foi essa lembrança que me fez começar a alinhavar estas linhas) que se criou toda uma euforia à volta da realização do Campeonato do Mundo de Futebol, na África do Sul, e em que para a selecção portuguesa foi prevista uma participação quase brilhante, o que sempre considerei exagerada e, por via disso, maior terá sido a desilusão de tantos desportistas. Inicialmente o facto de Portugal ter conseguido o apuramento só no último jogo da primeira fase levou na altura muita gente a dizer que a qualidade da selecção não era brilhante. Dizia-se então que não se conseguiria já passar a primeira etapa da competição, pois os adversários eram de respeito. No entanto, mesmo assim, a pouco e pouco começaram a falar em supostas virtualidades, surgiram os discursos de circunstância, apelou-se ao patriotismo, gastaram-se milhões na preparação e estágios, escolheram-se os melhores hotéis, criaram-se logótipo e vestuário de estilistas, a comunicação social correu atrás de toda a enorme comitiva, faziam-se na TV, directos dos treinos, dos jogos de preparação, mostravam-se os jogadores em descanso ou a treinar, a comer e a divertir-se, como “grandes estrelas” que eram… Até a Câmara Municipal da Covilhã concedeu a medalha da cidade! Houve transmissão da entrada nos autocarros, do início da viagem, quase de toda a viagem nos autocarros e sua chegada ao aeroporto, da viagem de avião, da chegada à África do Sul, comentários dos amigos, dos conhecidos e familiares, directos com os locais onde iriam permanecer, entrevistas com os empregados dos hotéis, de portugueses que viviam naquele país ou que lá se deslocaram, fez-se uma e outra, e mais outra e mais outra vez, a reportagem do que foram os jogos de preparação e revimos várias vezes as anteriores participações de Portugal noutros campeonatos do mundo. Para a África do Sul se deslocaram dezenas de jornalistas, repórteres e comentadores, técnicos, notáveis do desporto (de agora ou de outrora), toda uma parafernália de elementos que “compunham” a comitiva oficial e da comunicação social, talvez também alguns amigos. Deste modo, os jornais e revistas tiveram assunto durante várias semanas, as reportagens televisivas repetiam-se em todos os noticiários e em todas as estações, de manhã, à tarde, à noite e… até de madrugada. Overdose completa.
E assim se criou um sonho (um desejo…) e uma expectativa excessiva em relação às possibilidades da equipa portuguesa. Durante o tempo que durou a estadia da equipa portuguesa na competição continuaram as loas às possibilidades de se ir sempre mais além, criando-se desde logo cenários para saber se seria melhor atingir o primeiro ou segundo lugar de determinado grupo, pois os adversários seriam este ou aquele na fase seguinte e na fase logo a seguir, quase se vislumbrando o cenário de uma final com esta ou aquela equipa. Os comentadores não se cansavam de martelar os nossos ouvidos com as notícias repetidas uma e outra vez, vezes sem conta, como que se todo o mundo girasse à volta desse torneio e, o pior de tudo, como se Portugal fosse a vedeta principal.
Todos os noticiários diários, a qualquer hora, prolongavam-se por longos períodos estendendo-se a maior parte do tempo com futebol, mais futebol, mais futebol… Lembro-me de um jogo de Portugal realizado ao fim da tarde e, nesse dia, a televisão (depois de algumas referencias matinais) começou a falar do assunto logo a seguir ao telejornal da uma hora da tarde e prolongou-se com reportagens, entrevistas, repetições, flashs e outras intervenções, sempre sobre futebol e a equipa portuguesa, até quase às onze horas da noite!... O mundo parara… para ver a selecção de Portugal!
Os resultados finais da participação portuguesa não foram (ou não terão sido…) aqueles que a maioria esperava e não sou eu, inexperiente comentador desportista, a classificar essa participação… No final de contas direi apenas que, mesmo sem grande esperança inicial, muito gostaria que tivesse ido mais longe.
Isso não invalida, no entanto, que não deva criticar os excessos que registei em várias facetas do processo: primeiro dizia-se que a selecção não era grande coisa, depois passou-se à fase de muito folclore e muita euforia, tudo nos falava da participação portuguesa, criaram-se expectativas de que tínhamos até equipa muito boa, - já estávamos no terceiro lugar do ranking mundial! – pelo que podíamos talvez até ganhar o campeonato do mundo. Isso não aconteceu. Naturalmente, digo eu…
E então virou-se a moeda e apareceu o reverso da mesma. Apareceram as dezenas e dezenas de treinadores de bancada, surgiram os “casos” e as “razões”, criticaram-se modelos e comportamentos, enfim: arranjaram-se bodes expiatórios.
Mas não teria sido muito mais lógico moderar as expectativas, tudo acompanhar com moderação, comentar com seriedade e sem necessidade de grande alarido, pensar com os pés bem assentes no chão, apreciar com rigor as possibilidades e não anunciar desde o início grandes feitos, que podiam não surgir, mas apenas naturais e moderadas esperanças que seriam razoáveis e se fossem ultrapassadas originariam uma muito maior alegria?
Para quê tanto exagero?
Ultimamente dou comigo a tentar ser sempre menos expectante e mais comedido em todas as previsões que faço porque na verdade já senti algumas desilusões porque criei inicialmente expectativas demasiadas.
Um espectáculo que se anuncia e, desde logo, começamos a imaginar como vai ser bom, talvez até espectacular, formidável e depois… bem, afinal não era assim tão bom! Um encontro que preparamos porque as outras pessoas iriam ser agradáveis, muita conversa e convívio e… afinal, tudo foi banal, sem grandes motivos de interesse! Aquela viagem de sonho, com o tempo ameno e convidativo, bom passeio, lugares e momentos inesquecíveis e que no final… até foi uma maçada, com muitas razões de queixa!
O melhor é programar tudo com cuidado mas nunca criar expectativas em demasia pensando apenas que desejamos que corra tudo “sem incidentes” e em sossego. Nunca fazer previsões com comparações daquilo que recordamos de situações idênticas anteriores porque, quando o fazemos, normalmente só registamos o que de bom temos na memória sendo portanto difícil melhorar sempre…