quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Desconhecido

A
 AA
  AAA
    AAAA
     AAAAA
      AAAAAA
       AAAAAAA
        AAAAAAAA
         AAAAAAAAA
          AAAAAAAAAA
           AAAAAAAAAAA
            AAAAAAAAAAAA
             AAAAAAAAAAAAA
              AAAAAAAAAAAAAA
               AAAAAAAAAAAAAAA
                AAAAAAAAAAAAAAAA
                 AAAAAAAAAAAAAAAAA
                  AAAAAAAAAAAAAAAAAA
                   AAAAAAAAAAAAAAAAAAA
                    AAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
                   AAAAAAAAAAAAAAAAAAA
                  AAAAAAAAAAAAAAAAAA
                 AAAAAAAAAAAAAAAA
                AAAAAAAAAAAAAAAA
               AAAAAAAAAAAAAAA
              AAAAAAAAAAAAAA
             AAAAAAAAAAAAA
            AAAAAAAAAAAA
           AAAAAAAAAAA
          AAAAAAAAAA
         AAAAAAAAA
        AAAAAAAA
       AAAAAAA
      AAAAAA
     AAAAAA
   AAAA
  AA
            A…………….  Vida.    

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Branco

Pela primeira vez saíra de casa sem olhar as horas. Não se lembrava se se despedira da mulher, sequer se tinha tomado o pequeno almoço. Mas achava-se diferente.
Passo solto, descontraído, tentou assobiar a uma andorinha que lhe rasou a testa, mas não conseguiu e não estranhou o fracasso. Julgou sentir o ar fresco na cara e continuou caminhando, sem pressas, sem horas ...  passo solto, descontraído.
O dia parecia-lhe extremamente claro, mais claro que o habitual. Mais calmo. Algo estava diferente, sem cor, mas muito claro, muita luz, mas sem brilho. Não via o sol, mas estava muito claro. E não sentia frio. Nem calor. Nem sequer a brisa matinal. Estranhamente as casas pareceram-lhe todas muito brancas, como que caiadas naquele mesmo instante. E as pessoas que começava a divisar ? Porque seria que quase se confundiam “descoloridamente” com a paisagem ? E porque se comportavam tão apressadamente ? Apressadas, quase corriam... gesticulavam...
Mas continuou caminhando, sem pressas, sem horas ... passo solto, descontraído.
Reparava agora que “ouvia” um grande silêncio ao seu redor. Nem o vento, nem o habitual murmúrio da cidade que se avizinhava, nem os seus passos, nem as pessoas, nem sequer a andorinha alteravam esse silêncio. Porquê ?
E continuou caminhando, sem pressas, sem horas ... passo solto, descontraído.
E chegou à cidade.
Foi parando e avançando conforme as aberturas sentidas no tráfego, já que hoje estranhamente não estava a funcionar o tricolor sinal de trânsito, cujas orientações sempre cumpria, porque sempre procurava ser um bom cidadão... e não queria ser atropelado. Mas porque estavam hoje tão silenciosos os automóveis ? Nem sinais sonoros, nem arranques ou travagens, nem sequer o normal rum-rum dos seus motores ?
Parecia normal o movimento das pessoas apesar de continuarem apressadas, atarefadas, com convicção, cada uma na sua direcção. Algumas cumprimentavam-se num silêncio que não compreendia e algumas até paravam alguns instantes. Os estabelecimentos já tinham as suas portas abertas, alguns com os seus escaparates a ocupar parte do passeio, como habitualmente. Mas nada se ouvia.
Viu o seu amigo Humberto no outro lado da rua e estranhou a cor tão clara do seu fato mas acenou-lhe. Não recebeu resposta. Talvez o Humberto não o tivesse visto. E foi comprar o jornal diário, como sempre fazia. O senhor Rodrigues não o atendeu, apesar dos seus vários pedidos. Ignorou-o completamente, o que o deixou chocado. Mas pegou no jornal, aborrecido pela desconsideração, ao fim de tantos anos da mesma rotina matinal, sempre no mesmo quiosque. Abriu os braços em simultânea abertura das páginas do jornal e ficou admirado: o jornal não tinha qualquer notícia. Eram alvas folhas de papel.
E ficou perturbado, pois sentia que algo estava mal, em si ou nos outros: não havia côr, não havia som. Desejou chegar depressa ao escritório, abrir as janelas, ligar o computador, embrenhar-se no seu mundo, talvez sintonizar a rádio e ouvir as notícias. E apressou o passo.
Ao voltar da esquina, algo lhe chamou a atenção e deitou os olhos para um ponto diferente, com côr, num habitual e muito concorrido placard de parede. Sentiu um calafrio percorrer-lhe o corpo: estava morto.
Olhou uma, duas, três vezes, leu e releu a notícia, olhou a fotografia (que até estava a cores – primeira coloração do dia), voltou a olhar-se, olhos nos olhos, e confirmou: estava morto. A família de Manuel Sousa cumpre o doloroso dever de comunicar o falecimento do seu ente querido, etc. etc..
Não podia concordar com tal disparate, tinha havido um grande engano, sentia-se a pensar, via os outros, é certo que não os ouvia, que não o viam mas... estava ali. E começou a gritar: Eu estou vivo! Eu estou vivo! Eu estou vivo!
Mas as pessoas passavam, não o ouviam, não atendiam ao que ele gritava, e nem sequer resultavam as tentativas desesperadas para as agarrar. Ao fundo da rua viu o Alberto Mateus, de braço dado com a mulher, que vinham na sua direcção, e sentiu estar ali a sua esperança. Correu para eles e gritou-lhes “Alberto, Alberto, Isabel...”  mas eles seguiram, não o viram... Porquê ?
Deixou cair os braços, desiludido, atordoado, a cabeça baixou, pela primeira vez nesse dia sentiu um arrepio de frio e uma lassidão começou a correr-lhe o corpo.
E então sentou-se no passeio da rua e preocupou-se. Estaria enganado ? Estaria realmente morto ?
Mas havia ainda tanto a fazer, havia ainda tanto a concretizar, precisava de tempo, de mais tempo, queria acabar com os adiamentos, exprimir sentimentos abafados tanto tempo, ouvir melodias arquivadas, recomeçar amizades estragadas, sonhar sonhos quase esquecidos, acabar tarefas interrompidas, cantar canções de sentimento...
E chorou...
------------------------------------------------------
- Manuel, Manuel, acorda que são horas de ir trabalhar.
A mulher sacudia-o com carinho.
O despertador não funcionara ....

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Expectativas

É minha convicção que a apreciação sobre aquilo que acontece nas nossas vidas ou se desenrola à nossa volta está quase sempre subordinada ao modo como antecipadamente esperávamos que esse acontecimento ou facto viesse a ocorrer. Se tudo corre conforme desejávamos ou prevíamos, tudo está bem, somos felizes e celebramos o acontecimento, ou – até ingratamente… - vivemo-lo com a maior naturalidade do mundo como se não pudesse ter sido de outro modo; caso contrário é grande a desilusão, barafustamos, dizemos mal disto e daquilo, tentamos encontrar um ou mais culpados e nem sempre verificamos que o que estava errada era a nossa previsão que, grande parte das vezes, não teria até nada de lógica mas (e) seria apenas o reflexo de um desejo. E a revolta ou desilusão é tanto maior conforme maior foi a expectativa criada.
E vejo que isto acontece em muitos aspectos da nossa vida sobretudo quando fazemos projectos ou temos “sonhos” que queremos ou tentamos realizar, férias que se programam, viagens que se projectam, visitas que se concretizam, encontros que se desejam, estudos que se preparam e tanta e tanta coisa que na nossa vida ocorre.
Quando tudo passa, ou caso a caso, e fazemos o balanço ou apreciação do ocorrido nem sempre somos justos ou realistas e não temos o discernimento razoável para separar o que correu mal daquilo que…, mesmo em pensamento, programamos mal.
Isto acontece muito frequentemente e, se fizermos uma pesquisa pessoal, chegamos à conclusão que também cada um de nós fez, uma vez ou outra ou até muitas vezes, previsões demasiado ambiciosas, excessivas, irrealistas ou sonhadoras. Muitas vezes sucedeu isso comigo mas julgo ter-me “emendado” e ultimamente quando faço projectos, preparo qualquer coisa ou vou a qualquer evento tento não criar muita expectativa e ser muito realista. Mas vejo que nem todos pensam assim.
Ainda há cerca de três meses verifiquei (e foi e foi essa lembrança que me fez começar a alinhavar estas linhas) que se criou toda uma euforia à volta da realização do Campeonato do Mundo de Futebol, na África do Sul, e em que para a selecção portuguesa foi prevista uma participação quase brilhante, o que sempre considerei exagerada e, por via disso, maior terá sido a desilusão de tantos desportistas. Inicialmente o facto de Portugal ter conseguido o apuramento só no último jogo da primeira fase levou na altura muita gente a dizer que a qualidade da selecção não era brilhante. Dizia-se então que não se conseguiria já passar a primeira etapa da competição, pois os adversários eram de respeito. No entanto, mesmo assim, a pouco e pouco começaram a falar em supostas virtualidades, surgiram os discursos de circunstância, apelou-se ao patriotismo, gastaram-se milhões na preparação e estágios, escolheram-se os melhores hotéis, criaram-se logótipo e vestuário de estilistas, a comunicação social correu atrás de toda a enorme comitiva, faziam-se na TV, directos dos treinos, dos jogos de preparação, mostravam-se os jogadores em descanso ou a treinar, a comer e a divertir-se, como “grandes estrelas” que eram… Até a Câmara Municipal da Covilhã concedeu a medalha da cidade! Houve transmissão da entrada nos autocarros, do início da viagem, quase de toda a viagem nos autocarros e sua chegada ao aeroporto, da viagem de avião, da chegada à África do Sul, comentários dos amigos, dos conhecidos e familiares, directos com os locais onde iriam permanecer, entrevistas com os empregados dos hotéis, de portugueses que viviam naquele país ou que lá se deslocaram, fez-se uma e outra, e mais outra e mais outra vez, a reportagem do que foram os jogos de preparação e revimos várias vezes as anteriores participações de Portugal noutros campeonatos do mundo. Para a África do Sul se deslocaram dezenas de jornalistas, repórteres e comentadores, técnicos, notáveis do desporto (de agora ou de outrora), toda uma parafernália de elementos que “compunham” a comitiva oficial e da comunicação social, talvez também alguns amigos. Deste modo, os jornais e revistas tiveram assunto durante várias semanas, as reportagens televisivas repetiam-se em todos os noticiários e em todas as estações, de manhã, à tarde, à noite e… até de madrugada. Overdose completa.
E assim se criou um sonho (um desejo…) e uma expectativa excessiva em relação às possibilidades da equipa portuguesa. Durante o tempo que durou a estadia da equipa portuguesa na competição continuaram as loas às possibilidades de se ir sempre mais além, criando-se desde logo cenários para saber se seria melhor atingir o primeiro ou segundo lugar de determinado grupo, pois os adversários seriam este ou aquele na fase seguinte e na fase logo a seguir, quase se vislumbrando o cenário de uma final com esta ou aquela equipa. Os comentadores não se cansavam de martelar os nossos ouvidos com as notícias repetidas uma e outra vez, vezes sem conta, como que se todo o mundo girasse à volta desse torneio e, o pior de tudo, como se Portugal fosse a vedeta principal.
Todos os noticiários diários, a qualquer hora, prolongavam-se por longos períodos estendendo-se a maior parte do tempo com futebol, mais futebol, mais futebol… Lembro-me de um jogo de Portugal realizado ao fim da tarde e, nesse dia, a televisão (depois de algumas referencias matinais) começou a falar do assunto logo a seguir ao telejornal da uma hora da tarde e prolongou-se com reportagens, entrevistas, repetições, flashs e outras intervenções, sempre sobre futebol e a equipa portuguesa, até quase às onze horas da noite!... O mundo parara… para ver a selecção de Portugal!
Os resultados finais da participação portuguesa não foram (ou não terão sido…) aqueles que a maioria esperava e não sou eu, inexperiente comentador desportista, a classificar essa participação… No final de contas direi apenas que, mesmo sem grande esperança inicial, muito gostaria que tivesse ido mais longe.
Isso não invalida, no entanto, que não deva criticar os excessos que registei em várias facetas do processo: primeiro dizia-se que a selecção não era grande coisa, depois passou-se à fase de muito folclore e muita euforia, tudo nos falava da participação portuguesa, criaram-se expectativas de que tínhamos até equipa muito boa, - já estávamos no terceiro lugar do ranking mundial! – pelo que podíamos talvez até ganhar o campeonato do mundo. Isso não aconteceu. Naturalmente, digo eu…
E então virou-se a moeda e apareceu o reverso da mesma. Apareceram as dezenas e dezenas de treinadores de bancada, surgiram os “casos” e as “razões”, criticaram-se modelos e comportamentos, enfim: arranjaram-se bodes expiatórios.
Mas não teria sido muito mais lógico moderar as expectativas, tudo acompanhar com moderação, comentar com seriedade e sem necessidade de grande alarido, pensar com os pés bem assentes no chão, apreciar com rigor as possibilidades e não anunciar desde o início grandes feitos, que podiam não surgir, mas apenas naturais e moderadas esperanças que seriam razoáveis e se fossem ultrapassadas originariam uma muito maior alegria?
Para quê tanto exagero?
Ultimamente dou comigo a tentar ser sempre menos expectante e mais comedido em todas as previsões que faço porque na verdade já senti algumas desilusões porque criei inicialmente expectativas demasiadas.
Um espectáculo que se anuncia e, desde logo, começamos a imaginar como vai ser bom, talvez até espectacular, formidável e depois… bem, afinal não era assim tão bom! Um encontro que preparamos porque as outras pessoas iriam ser agradáveis, muita conversa e convívio e… afinal, tudo foi banal, sem grandes motivos de interesse! Aquela viagem de sonho, com o tempo ameno e convidativo, bom passeio, lugares e momentos inesquecíveis e que no final… até foi uma maçada, com muitas razões de queixa!
O melhor é programar tudo com cuidado mas nunca criar expectativas em demasia pensando apenas que desejamos que corra tudo “sem incidentes” e em sossego. Nunca fazer previsões com comparações daquilo que recordamos de situações idênticas anteriores porque, quando o fazemos, normalmente só registamos o que de bom temos na memória sendo portanto difícil melhorar sempre…

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Noite e silêncio

Por vezes dou comigo a pensar em coisas que costumo fazer e que “quero” que signifiquem qualquer coisa quando, na realidade, são banalidades correntes mas que talvez definam um pouco a minha maneira de ser. Por exemplo, às vezes um certo gosto pela contemplação e silêncio…
Por indicação do meu médico, há já alguns anos, antes de me deitar como alguma coisa sempre que possível, pois por causa dos diabetes não devo estar mais de três horas sem comer… É o pequeno-almoço logo de manhã cedo, depois qualquer coisa (com um cafezinho…) a meio da manhã, almoço, lanche a meio da tarde, jantar e… qualquer coisa antes de deitar! Sou um comilão… Nada de exageros mas sim regularidade!
Verdade seja que me habituei e raramente deixo de cumprir este normativo e só em dias que janto muito tarde, ou janto mais fartamente num encontro ou festa ou… quando estou fora e não se proporciona fazê-lo é que não tomo o leitinho e como as bolachas antes de me deitar.
Há os habituais comprimidos diários da noite (que a C... sempre me deixa junto ao tabuleiro…) e normalmente como duas bolachas creme cracker e tomo um copo de leite quente com mokambo (no inverno) ou simples e frio (no verão). E que bem que me sabe.
O que eu acho curioso é o facto de um certo hábito que apanhei, quando estou em Ofir: depois de tudo preparado, apago a luz da cozinha e vou para a marquise com o pequeno tabuleiro, que coloco na beirada da parede virada para a rua e onde faço a pequena “refeição” olhando a escuridão e ouvindo o barulho do movimento das folhas das árvores em frente, tudo muito calmo, pois àquelas horas normalmente não se vê ninguém, com excepção de algumas pessoas que por vezes escolhem a passagem estreita junto à casa e que dá acesso ao “Biba Ofir”, uma espécie de bar ou discoteca, que funciona aos fins-de-semana e durante o verão, do outro lado da casa. Isto porque já a madrugada decorre… pois que é rara a noite em que me deito antes da uma da manhã.
São uns minutos de grande sossego que me fazem bem e muito aprecio aquele silêncio da noite, olhando a pequena rua quase sempre deserta, os candeeiros com a sua luz amarelada, sempre com uma corte de muitos insectos à sua volta e ouvindo-se perfeitamente o bater das ondas do mar na praia lá longe, numa aliança de silêncio e barulho que não incomoda. Por vezes até está um pouco frio pois faço isto em qualquer altura do ano, quando estamos só os dois em Ofir e normalmente a C... já subiu para dormir, mas nem esse frio impede esse hábito. Mesmo no verão quando lá por casa está mais alguém, dormindo no outro quarto ou ali ao lado na sala de jantar, eu não quebro a rotina e cumpro o mesmo ritual. Até parece que vou dormir melhor!
De tal modo me habituei a esse local que durante anos, nos dias em que tinha que vir a Guimarães trabalhar e tomava o pequeno-almoço cedo e sozinho, eu sempre o fazia na marquise, e só se alterava o cenário da “escuridão da noite” para a “luz do amanhecer”. E nessas ocasiões até era extraordinária a sinfonia de sons que se ouviam com o chilrear dos muitos pássaros que por ali voam em grande quantidade. Este pormenor ainda agora acontece durante o dia quando por lá estamos mais sossegados nestes meses intermédios da primavera ou outono. Ou então as corridas e saltos dos esquilos que em determinadas alturas do ano por ali aparecem com muita frequência, saltando de árvore em árvore, correndo até pelos fios dos postes de telefone ou electricidade, muitas vezes retirando os pinhões das pinhas e atirando para o lado (ou até para cima dos carros…) o resto das pinhas já desfeitas. Mesmo em frente a nossa casa existem muitas árvores, sobretudo pinheiros e eucaliptos, mas quero salientar uma bonita árvore que, a partir do início da primavera, floresce abundantemente em tons avermelhados e fortes, muito intensamente, mas só durante dois ou três meses. Depois, volta à sua cor verde habitual, mal se distinguindo na confusão de todas as outras árvores que a rodeiam.
E porque estou a registar estes aspectos da natureza que rodeia a nossa casa de Ofir não posso esquecer a beleza da vista que se alcança no terraço virado para o Rio Cávado. Como está voltado a norte, muitas e muitas vezes se sente um vento forte a incomodativo mas, quando tal não acontece – e ainda vão sendo bastantes os dias serenos que por lá apanhamos – é muito agradável a vista sobre o rio, mesmo que entrecortada pelos pinheiros que existem no logradouro defronte da urbanização, com Esposende lá mais longe na margem direita do rio e, ainda mais longe, os arborizados montes de S. Lourenço. Sobretudo no verão, quando está o tempo mais quente e ao fim da tarde quando o movimento na rua é pequeno e, em casa, ainda não se recomeçou a lide do retorno a casa dos “veraneantes”… é extremamente repousante ficar sentado ali no terraço, descontraído e em silêncio só levemente interrompido pelo roncar de um ou outro automóvel que vai passando na rua, ainda com a luz plena do dia mas sem o sol a incomodar, fechando os olhos e saboreando as maravilhas de um bem estar…simples, mas pleno.
Ainda há dias estava em Ofir só com a C... e a meio da tarde, quando vim lanchar, estivemos na marquise uns momentos em silêncio a ouvir o chilrear dos pássaros, sons muito diversos e bem sonoros, quase parecendo uma orquestra em sinfonia agradável e muito bonita. Só necessitaria de uma explicação do meu cunhado Zé Manel para identificar esses gorjeios. Que aves serão? Também já aconteceu à noite quando caminhávamos pela recta, quase deserta, em direcção ao café ouvimos muito nitidamente um piar que julgo ser de coruja, mas muito bem ritmado e compassado. Dizem que é habitual esse barulho, pelo que presumimos que essa coruja “mora por ali”…
O silêncio da noite, o marulhar das ondas, o chilrear dos pássaros… Tudo isso são acontecimentos comuns, banais, mas que aqui em Guimarães é raro podermos apreciar (também aqui não temos mar nem árvores junto à casa…) mas que me levam a pensar como há tantas coisas simples que podemos apreciar, calmamente, sem incomodar ninguém, desfrutando dum prazer muito interior, muito próprio, quase que “só nosso”. Será que faço este registo apenas porque sempre vivi na cidade, ou será porque ultimamente me sinto mais nostálgico? E pergunto se aqueles que vivem nessas paragens calmas e de vegetação frondosa também apreciam estas coisas, ou isto é mania minha?
Li em tempos uma história de um rei que, para despertar no filho a formação de um carácter forte mas sereno, o mandou para uma floresta onde deveria ouvir e explicar-lhe depois tudo o que tinha ouvido. Após várias descrições, só deu por cumprida a sua ordem quando o filho lhe disse que, ao fim de muitos dias, tinha”ouvido o nascer do sol, o abrir das flores, o cair da noite”! Então o rei disse que ele estava de coração aberto, pois já tinha “ouvido o silêncio”.  
………………………..
Agora me lembro que, aqui em Guimarães, já o ritual da pequena refeição antes de deitar é um pouco diferente e, como não tenho hipóteses do mesmo horizonte de Ofir, nem árvores frondosas a mexer as suas folhas… ou vou ouvir as últimas (e repetidas) notícias da TV ou, se o tempo o permite, abro a janela da cozinha e vejo as luzes da cidade, com o Castelo de Guimarães e o Paço dos Duques de Bragança lá longe, por cima da cascata das luzes da cidade. Também é um cenário muito bonito e repousante, desde que não haja festas…
A verdade é que o silêncio natural não me incomoda e até me agrada. É sinal de acalmia, descontracção, divagação do pensamento. Por isso gosto dele.
Mas não me falem em silêncio como sinal de zanga ou confronto. Não o suporto.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Porque sim ...


            Uma revista que foi em tempos distribuída juntamente com o jornal “Público” era quase toda ela dedicada aos vinhos, suas características, suas castas, regiões, opiniões diversas de conceituados apreciadores, termos usados nas suas designações e até falava do tipo de copos em que deve ser bebido!

            Pois num inquérito anexo não fui capaz de responder correctamente a uma única pergunta! E dei comigo a pensar: como se pode aceitar que, gostando eu de vinho (sem exageros…) seja tão ignorante nesses pormenores da linguagem vinícola e que, na verdade, deveriam ser “porMAIORES…”?

            Pois é. Também gosto muito das palavras, de brincar com elas, baralhá-las e dá-las de novo, substituir uma por outra, fazer crescer um texto para cima e para baixo, por vezes (tantas vezes…) sem qualquer profundidade ou interesse… para os outros. Mas gosto de escrevinhar.

            Sendo assim, como é possível que continue com tantas dúvidas sobre a sua escrita correcta?

            porquê
            porque
            por que
            por quê
        

           Qual o porquê destas incertezas?

            Eu sei os motivos porque não prossegui os estudos, mas mesmo com as dificuldades que existiam na altura e a necessidade de ajudar em casa, por que não tive o discernimento de avançar e tomar a decisão de estudar à noite continuando a trabalhar de dia?

            Desleixo meu, mas por quê?

          

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Escrever, falar

Tenho pensado bastante em como a minha maneira de ser se tem modificado dia a dia, aos poucos, mas sempre no mesmo sentido: melancolia, recolhimento, introspecção, afastamento.

Nunca fui pessoa de grandes conversas, já o disse mais que uma vez, tenho alguma dificuldade em dialogar com as pessoas, faltam-me argumentos, conhecimentos, assuntos, e recolho-me nos meus silêncios que às vezes até podem ser considerados indelicados…

Também já constatei que, quanto mais escrevo menos falo, como que se a escrita fosse o meu modo corrente de falar. Parece um ciclo vicioso: escrevo mais, falo menos, afasto-me mais, convivo menos, não converso com os outros e os outros não conversam comigo. Óbvio.

Este diálogo (escrito) frequente, mas não diário, é do meu agrado embora nem sempre seja agradável aquilo que escrevo, mas é a escrever que me sinto mais à vontade, pois não estou sujeito a críticas, escrevo sem quaisquer constrangimentos aquilo que penso no momento, embora confesse que já por mais que uma vez voltei atrás… para corrigir uma ou outra frase, mais para reparar erros ortográficos ou repetições, mas nunca mudando o sentido daquilo que estaria a pensar quando o escrevi, o que não seria possível numa situação de oralidade.

Falta de confiança?