quinta-feira, 21 de outubro de 2010

S.Manços

            Há alguns dias, numa consulta ao mapa de Portugal, os meus olhos fixaram-se casualmente no nome de uma localidade perto de Évora, de nome S. Manços, e que imediatamente me trouxe à lembrança uma amizade nascida há cerca de cinquenta anos, durante a minha curta vida militar.
            Quis o destino que no longínquo ano de 1961 eu fosse integrado na Companhia de Artilharia n.º 179 que foi destacada para prestar serviço militar em Moçambique, mais concretamente na vila de Inhaminga, na circunscrição de Cheringoma, a pouco mais de duas centenas de quilómetros da bonita cidade da Beira. Comigo seguiram quase duas centenas de militares que, pouco a pouco, passaram a constituir quase uma família que se manteve unida por mais de trinta meses, criando-se laços de grande amizade e permanente convívio, de que resultaram episódios que por vezes recordo com saudade.
            No meio de tantos homens é normal que se vão criando alguns pequenos grupos com aqueles com quem mais se conversa, porque as afinidades são maiores, quer por motivos de valores, de gostos, de princípios, de estilos e até de procedimentos comuns. Para além de outros, do meu grupo fazia parte o Cruz Dias.
            De tez morena, cara redonda e compleição forte como verdadeiro alentejano que era, o Sargento Cruz Dias foi quase um “generalista”, tão aberta era a sua maneira de ser, calmo, apaziguador, exigente e cumpridor mas muito brincalhão, educado, amigo do seu amigo. Julgo não exagerar dizendo que foi um amigo de todos os elementos da Companhia, de todos os grupos… Também tinha algum jeito para o futebol. 
            No continente para além dos touros tinha uma afeição pelos pombos-correios que criava com muito gosto, intervindo em diversos concursos columbófilos. Em Moçambique a sua paixão voltou-se para as caçadas nocturnas que frequentemente fazia pelo mato africano, orientado por pisteiros da região e acompanhado de caçadores locais, europeus e africanos, de lanterna presa à cabeça e espingarda sempre em posição de tiro, na esperança de surgir uma boa presa. Por duas vezes o acompanhei, infelizmente sem sucesso algum… e sempre muito comedido já que nunca fui dado a essas aventuras. Que eu saiba nunca encontrou leões mas por mais que uma vez os resultados foram positivos quanto a outras presas. Quando isso sucedia realizavam depois num bar local, Emporium ou Pantazis ou outro, verdadeiros banquetes de saborosos assados com gazelas que caçavam, sempre muito concorridos com inúmeros amigos militares e civis, e muito bem regados com cerveja Manica, tornando-se esses eventos verdadeiras festas de convívio e alegria que se prolongavam até altas horas da noite.
            Das recordações que tenho dele não posso deixar de mencionar um pormenor que registei e que muitos outros antigos camaradas recordarão. Quando surgia a oportunidade de se falar na “nossa” terra – e tantas vezes falei de Penafiel e Guimarães… – as saudades não podiam esconder-se e sempre surgiam loas à terra de cada um. O Cruz Dias dizia sempre que a terra dele era extraordinária e que podíamos confirmar. Como a maioria dos militares da Companhia era do norte de Portugal, o Cruz Dias acrescentava: “Vocês, nortenhos, quando forem ao sul e passarem perto de Évora e virem uma placa que diz S. Manços, 4 – podem confirmar isso; não tenham medo e venham visitar-me pois é aí que eu moro e “são quatro mas são mansos… e não ferram”.

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